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De volta para o passado

por Luiz Martins de Melo*


O futebol atual é um negócio montado pelos europeus com recursos importados de todas as partes do mundo. O Brasil tem um papel de destaque na cadeia produtiva do espetáculo do futebol europeu como o principal fornecedor de mão de obra especializada.


As transferências de jogadores sempre existiram. No começo esporádicas, quase pontuais. A partir dos anos oitenta elas começaram a se tornar rotina. Com a decisão da Corte de Justiça Europeia em 1995 abolindo a sistema de cotas para jogadores estrangeiros quando tornou ilegal os contratos que não estavam em acordo com a lei europeia de livre fluxo de trabalhadores. Este pode ser considerado o marco da “mundialização do futebol”.


A primeira consequência desta mundialização do futebol foi a padronização das rotinas e técnicas de treinamento. Os jovens jogadores estrangeiros participam de treinamentos, táticos e técnicos, muito similares. A lógica conceitual desse treinamento é a europeia. Praticada em campos europeus. Daí decorre a definição do tamanho das dimensões do campo atuais.


Antes da mundialização a heterogeneidade era muito maior. Os jogadores se diferenciavam em função das suas tradições culturais que eram reproduzidas nos campos de várzea e nos jogos de pelada. O caráter lúdico do drible e da arte de domínio da bola se sobrepunha a rotina de aprendizagem do jogo.


O resultado desse domínio europeu sobre a mundialização do futebol é que as técnicas e táticas do jogo passaram a refletir essa hegemonia. Mas, não só isso o principal evento do futebol passou a ser dominada pelo interesse econômico do negócio europeu de futebol.


A mundialização do futebol foi favorecida pela alta renda publicitária derivada das empresas líderes mundiais que pagam cada vez mais terem sus imagem ligada ao evento. As mídias sociais elevaram essa renda a valores inimagináveis. Agora incluindo os jogadores também.


Ainda haverá espaço para a diversidade tática e técnica de padrão de jogo? Não estou falando dos jogadores fora de série, Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo. Esses sempre fora a diferença fora do padrão.


O que será do futebol jogado na América do Sul, antiga região de grande capacidade de inovação no jogo e formação de jogadores fora de série? Cada vez mais o domínio europeu se acentua tanto ao nível de clubes, como de seleções.

Será que vamos voltar para o início do século XX e ter que reaprender o que esquecemos: jogar futebol.



*Luiz Martins de Melo é doutor em Economia, Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Atleta Emérito da Confederação Brasileira de Basquetebol, ex-jogador do Vasco e da Seleção Brasileira.






Primórdios do Futebol no Brasil


Por Raul Milliet Filho*


A compreensão da conjuntura em que o futebol foi recepcionado não pode passar ao largo das hipóteses apresentadas no livro de José Moraes dos Santos Neto, Visão do Jogo: primórdios do futebol no Brasil. O autor situa as escolas paulistas de jesuítas como a porta de entrada do futebol no país, lançando novas luzes sobre a real importância de Miller.


Paralelamente, distingue as características do futebol brasileiro (escola de dribles) e do argentino (escola de passes). No caso do brasileiro, marcadamente influenciado pela escola inglesa; enquanto que o argentino incorporara o jogo mais cadenciado de passes dos escoceses. Pelo menos até o advento da segunda lei do impedimento e do profissionalismo.


Portanto, no que se refere à paternidade do futebol brasileiro, não é preciso nenhum exame de DNA para se concluir que o pioneirismo de Miller reside no fato de ter iniciado a prática do futebol dentro de um clube, estimulando os outros a praticá-lo também. Com isso, teve início um segundo momento do processo de introdução do futebol em nosso país. O esporte saiu dos colégios, assumiu um caráter explicitamente competitivo (o que de certo tornou mais difundido o conhecimento de suas regras e mais rigorosa a observância das mesmas) e ganhou a posição de esporte preferido da elite paulistana.


Não cabe, aqui, pensar em maiores distinções sociais entre os praticantes do futebol nos colégios e aqueles que o jogavam nos clubes. Se nos colégios estudavam os filhos da elite brasileira, nos clubes jogavam membros das colônias de imigrantes mais “nobres” e aqueles mesmos filhos da elite brasileira.

Em busca da compreensão do estilo brasileiro e da sua escola de futebol nunca é demais repetirmos o que Walter Benjamin e outros pensadores afirmaram sobre a lentidão das mudanças ocorridas no que convencionalmente denominou-se superestrutura: Tendo em vista que a superestrutura se modifica mais lentamente que a base econômica, as mudanças ocorridas nas condições de produção precisaram mais de meio século para refletir-se em todos os setores da cultura.


Qualquer mudança no estilo do jogador brasileiro e na armação tática dos times de nosso país não sofreria uma ruptura com aquilo que Eduardo Galeano nominou como exportação de pés de obra. Em 1986, na Copa do México apenas um jogador de nossa seleção atuava no exterior. Quatro anos mais tarde, na Copa da Itália apenas dois jogavam no Brasil.


As grandes modificações na escola brasileira de futebol ocorreram com a implantação da segunda lei do impedimento, da intensificação da preparação física e do aperfeiçoamento do material esportivo.


Sempre lembrando do pioneirismo, da importância do técnico húngaro Dori Kürschner, que dirigiu Flamengo e Botafogo na passagem dos anos 30 para os anos 40, retirando o futebol de nosso país da Idade Média.


Portanto, qualquer modificação mais profunda na escola brasileira de futebol não ocorre de bate pronto.



Dori Kurschener fazendo uma preleção ao time do Flamengo. Em primeiro plano, de costas, aparecem o zagueiro Engel e Leonidas da Silva


*Criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários:“Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.

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