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Foto do escritorRaul Milliet Filho

Maracanã verde e branco

Atualizado: 22 de fev. de 2021

Bernardo Buarque e Cyro Viegas falam da primeira grande invasão paulista do Rio de Janeiro e do campeonato mundial do Palmeiras em 1951.


Artigo publicado em Literatura na arquibancada em 15/06/2013 por Bernardo Buarque de Hollanda* e Cyro Viegas de Oliveira**




A Invasão Palmeirense



Arte: Zuca Sardan

Já se tornou um truísmo, no meio acadêmico, afirmar o caráter seletivo e arbitrário da memória. O jogo entre lembrança e esquecimento está sempre a alternar um e outro, pendularmente, segundo os interesses de quem lembra e de quem escreve.


A construção da memória coletiva passa, pois, pela repetição de histórias que, evocadas de geração a geração, se reproduzem pela via oral ou escrita.


A proclamada “invasão corintiana” ao Maracanã, em dezembro de 1976, nas semifinais do Campeonato Brasileiro, é uma dessas histórias que o jornalismo esportivo consagrou e que vem se repetindo desde então.



Dada a dramaticidade por que vivia o clube paulistano, havia 22 anos sem títulos, chegou a adquirir uma dimensão mítica no imaginário dos torcedores e da própria imprensa a partir daquela data.

Invasão corinthiana em 1976.

Se o deslocamento massivo de milhares de fãs do Sport Club Corintihans Paulista foi de fato um acontecimento impressionante, e digno de nota, cabe ressaltar que ele não foi o único nem o primeiro. Se passarmos em revista os periódicos de décadas anteriores, vamos encontrar outras manifestações igualmente importantes que, em sua época, tiveram repercussão análoga.




Nesse breve texto, vamos recordar a conquista do título mundial interclubes pela Sociedade Esportiva Palmeiras, em julho de 1951, com base em dados levantados por um dos autores, Cyro Viegas, em sua monografia de pesquisa. Recentemente, o livro “Palmeiras, campeão do mundo”, do jornalista Fernando Razzo Galuppo (Maquinária Editora, 2011), também teceu considerações sobre o assunto, a partir do dossiê entregue pelo clube à FIFA.


Gostaríamos assim de trazer à tona as reportagens dos jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo acerca da presença expressiva dos palmeirenses no Maracanã, para assistir à partida final da Taça Mundial, contra o Juventus da Itália, conquistada pelo verde e branco paulista: de acordo com as estimativas apuradas, foram dez mil palmeirenses no primeiro jogo e quarenta mil no segundo.




Vinte e cinco anos antes dos corintianos, milhares de torcedores do Palmeiras também “invadiram” o Maracanã. Mas, para início de conversa, convém esclarecer: de que evento estamos falando?


No contexto da realização da quarta edição da Copa do Mundo, em 1950, ocorrida no Brasil durante os meses de junho e julho, os representantes da Prefeitura do Rio de Janeiro, da CBD e da FIFA lançaram a ideia da disputa de um torneio internacional com clubes campeões nacionais.



Se àquela época não existia a pretensão de deixar um “legado” para o Mundial, a preocupação em utilizar os espaços criados para a Copa de 1950 estimulou os dirigentes a conceber atividades nos estádios brasileiros, em particular no Maracanã e no Pacaembu, os maiores e os que haviam sido construídos pelo poder público.




Propiciada pelo encontro no Rio de Janeiro, a 19 de junho, três dias após a inauguração do Maracanã, quando Didi estufou pela primeira vez as redes do estádio, uma reunião na sede da CBD deliberou a criação do futuro torneio. Ele viria a ser realizado um ano após o Mundial de 1950 e receberia a alcunha de Copa Rio, embora fosse disputada também em São Paulo.


Depois da “tragédia do Maracanazzo”, mito um tanto exagerado se considerarmos o prestígio que os selecionados e os clubes brasileiros continuaram a ter no exterior, as autoridades deram continuidade aos preparativos para o I Torneio Internacional de Clubes Campeões. Além dos organizadores brasileiros, coube a dois supervisores da FIFA a execução da competição: o italiano Ottorino Barassi e o sueco Ivo Schricker.


No dia 21 de junho, a três dias do primeiro jogo oficial da Copa de 1950, a CBD indicou dois clubes que representariam o país. Segundo critérios meritocráticos, estes seriam o campeão carioca e o paulista daquele ano, respectivamente, Clube de Regatas Vasco da Gama e Sociedade Esportiva Palmeiras.


A esses dois juntaram-se mais cinco clubes campeões: o Áustria Viena; o Sporting Lisboa, de Portugal; o Estrela Vermelha, da Iugoslávia; o Olympique de Nice, da França; e o Nacional, do Uruguai. Junto a eles, somou-se por fim o Juventus da Itália, vice-campeão italiano.


Os oito times foram divididos em dois grupos e os dois primeiros disputariam as semifinais, em duas partidas. Já os finalistas jogariam outra melhor de dois, a fim de sacramentar o campeão.



Após obter a segunda colocação em seu grupo, os “esmeraldinos”, liderados por Jair da Rosa Pinto, enfrentaram os rivais cariocas. Venceram a primeira partida por dois a um e asseguraram o empate sem gols no segundo jogo. Chegaram assim à final contra a italiana Juventus, que por sua vez superara o Áustria Viena para alcançar a decisão.


As duas partidas teriam por palco o Maracanã. Curiosamente, na primeira fase da competição, os paulistas haviam sido goleados por quatro a zero pelo Juventus, no Pacaembu. A colônia italiana em São Paulo prestigiara e apoiara o clube de Turim, a despeito das afinidades eletivas com o antigo Palestra Itália.


Com a cobertura de trezentos jornalistas internacionais, a primeira partida no Maracanã foi realizada numa quarta-feira, no dia 18 de julho, sendo vencida pelos palmeirenses por um a zero e contando com um público de cinquenta mil espectadores.


A euforia para o segundo jogo no domingo fez os palmeirenses se mobilizarem em São Paulo, como sempre emulados pela imprensa local, em que se destacava a Gazeta Esportiva. O Maracanã teria um total de 100.933 presentes.


Novamente foram dadas tintas patrióticas à partida, para a qual bastava um empate contra os italianos. O periódico Correio Paulistano atribuiu a seguinte missão: “Caberá ao Palmeiras a tarefa de apagar da memória o fatídico 16 de julho de 1950”.


Após solicitar a utilização da camisa do Brasil, a fim de atrair a simpatia dos cariocas, a recusa da proposta pelos organizadores do torneio fez os palmeirenses bordarem o escudo brasileiro acima do dístico do clube.



Dois dias antes do jogo, além de ressaltar a manchete “Toda a torcida carioca ao lado do Palmeiras”, o anúncio de uma agência de viagens estampava em matéria paga: “CARAVANA AO RIO: assista ao encontro final da Taça Rio”. A empresa, situada à Av. Ipiranga, n. 1.129, oferecia passagens de ônibus por trezentos cruzeiros. De avião, o bilhete custava quinhentos cruzeiros.


No dia da partida, além de voos e de viagens por trem, segundo o jornalista Galuppo, cerca de mil automóveis cruzaram a Via Dutra. Já um matutino carioca estimou em dez mil o número de palmeirenses que se deslocou para o Rio de Janeiro.


Na fotolegenda do Jornal dos Sports, do dia 22 de julho, lia-se: “Inúmeras caravanas chegam ao Rio. Torcedores paulistas e cariocas se confraternizam na Praça Mauá”.


O ítalo-paulistano Thomaz Mazzoni, da Gazeta Esportiva, apresentava cifras maiores:


“Ótimo o comportamento da torcida carioca, unida à paulista. Calcula-se que tenham vindo ao Rio sete mil automóveis, contados pelos controladores da inspetoria de veículos, e com os aviões, trens etc, tivemos quarenta mil torcedores de São Paulo no Maracanã, torcendo ao lado de cinquenta mil cariocas, pois o público foi avaliado em quase cem mil pagantes. Glória ao futebol do Brasil! Glória ao Palmeiras!”.


O cronista rubro-negro José Lins do Rego saudava a confraternização entre torcedores paulistanos e cariocas:


“Justa vitória do Palmeiras, que contou com as palmas e as aclamações do povo mais livre que conheço: o povo das arquibancadas do Maracanã. Foi uma vitória trabalhada com sangue, suor e lágrimas”.

Três dias após a partida, Olimpicus, pseudônimo de Thomaz Mazzoni, ainda comentava o deslocamento dos torcedores, juntamente com a parte tática do jogo: “O Palmeiras poderia ter brindado aqueles 50 mil cariocas e 40 mil paulistas com um resultado mais empolgante, se a substituição de Ponce de León tivesse se dado mais cedo por Canhotinho”.


Por fim, Mário Filho, em comentário publicado na segunda edição de O negro no futebol brasileiro (Civilização Brasileira, 1964), assim se pronunciou:


“O carioca apoiou tanto o Palmeiras no primeiro jogo, o da vitória com a Juventus, que no domingo da finalíssima quem quisesse guiar-se pelas placas dos carros não saberia se estava no Rio ou em São Paulo. Milhares e milhares de carros de São Paulo vieram para o Rio. E ônibus fretados. E caminhões. Não havia um lugar num trem nem num avião.”.

Estavam assim lançadas as bases mitológicas para uma das primeiras “invasões torcedoras” no Brasil.



Sobre os autores:

Bernardo Buarque - É professor da Escola Superior de Ciências Sociais (FGV) e pesquisador do CPDOC/FGV. Editor da coleção Visão de Campo (7 Letras). Em 2012, publicou o livro ABC de José Lins do Rego (Editora José Olympio).



Cyro Viegas de Oliveira é jornalista. Mas queria mesmo era ser o Oberdan Cattani, o maior goleiro da história do futebol brasileiro. Curitibano e paulistano, palmeirense de infância e atleticano paranaense de família, mora no Rio de Janeiro desde 2007, onde se apaixonou mais duas vezes: pela esposa, Sarah, e pelas pesquisas sobre a fascinante história do futebol brasileiro da década de 1950.

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