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Foto do escritorRaul Milliet Filho

O bate-papo que desmascarou a blogueira Yoani Sánchez





Matéria escrita por Salim Lamrani* e

publicada no site Pragmatismo Político em 20/02/2013


Yoani Sánchez ganhou espaço como colunista do Globo, recebeu o Jornal Nacional, é integrante do Instituto Millenium e tem dado entrevista pra todos os órgãos de imprensa brasileiros, mas o único jornalista do mundo até aqui a confrontá-la com perguntas elementares foi Salim Lamrani


Yoani Sánchez é a nova personalidade da oposição cubana. Desde a criação de seu blog, Generación Y, em 2007, obteve inúmeros prêmios internacionais: o prêmio de Jornalismo Ortega y Gasset (2008), o prêmio Bitacoras.com (2008), o prêmio The Bob’s (2008), o prêmio Maria Moors Cabot (2008) da prestigiada universidade norte-americana de Colúmbia. Do mesmo modo, a blogueira foi escolhida como uma das 100 personalidades mais influentes do mundo pela revista Time(2008), em companhia de George W. Bush, Hu Jintao e Dalai Lama.


Seu blog foi incluído na lista dos 25 melhores do mundo do canal CNN e da Time(2008). Em 30 de novembro de 2008, o diário espanhol El País a incluiu na lista das 100 personalidades hispano-americanas mais influentes do ano (lista na qual não apareciam nem Fidel Castro, nem Raúl Castro). A revista Foreign Policy, por sua vez, a considerou um dos 10 intelectuais mais importantes do ano, enquanto a revista mexicana Gato Pardofez o mesmo para 2008.


Esta impressionante avalanche de distinções simultâneas suscitou numerosas interrogações, ainda mais considerando que Yoani Sánchez, segundo suas próprias confissões, é uma total desconhecida em seu próprio país. Como uma pessoa desconhecida por seus vizinhos – segundo a própria blogueira – pode integrar a lista das 100 personalidades mais influentes do ano?


Um diplomata ocidental próximo desta atípica opositora do governo de Havana havia lido uma série de artigos que escrevi sobre Yoani Sánchez e que eram relativamente críticos. Ele os mostrou à blogueira cubana, que quis reunir-se comigo para esclarecer alguns pontos abordados.


O encontro com a jovem dissidente de fama controvertida não ocorreu em algum apartamento escuro, com as janelas fechadas, ou em um lugar isolado e recluso para escapar aos ouvidos indiscretos da “polícia política”. Ao contrário, aconteceu no saguão do Hotel Plaza, no centro de Havana Velha, em uma tarde inundada de sol. O local estava bem movimentado, com numerosos turistas estrangeiros que perambulavam pelo imenso salão do edifício majestoso que abriu suas portas no início do século XX.


Yoani Sánchez vive perto das embaixadas ocidentais. De fato, uma simples chamada de meu contato ao meio-dia permitiu que combinássemos o encontro para três horas depois. Às 15h, a blogueira apareceu sorridente, vestida com uma saia longa e uma camiseta azul. Também usava uma jaqueta esportiva, para amenizar o relativo frescor do inverno havanês.


Foram cerca de duas horas de conversa ao redor de uma mesa do bar do hotel, com a presença de seu marido, Reinaldo Escobar, que a acompanhou durante uns vinte minutos antes de sair para outro encontro. Yoani Sánchez mostrou-se extremamente cordial e afável e exibiu grande tranquilidade. Seu tom de voz era seguro e em nenhum momento ela pareceu incomodada. Acostumada aos meios ocidentais, domina relativamente bem a arte da comunicação.


Esta blogueira, personagem de aparência frágil, inteligente e sagaz, tem consciência de que, embora lhe seja difícil admitir, sua midiatização no Ocidente não é uma causalidade, mas se deve ao fato de ela preconizar a instauração de um “capitalismo sui generis” em Cuba.


O incidente de 6 de novembro de 2009


Salim Lamrani – Comecemos pelo incidente ocorrido em 6 de novembro de 2009 em Havana. Em seu blog, a senhora explicou que foi presa com três amigos por “três robustos desconhecidos” durante uma “tarde carregada de pancadas, gritos e insultos”. A senhora denunciou as violências de que foi vítima por parte das forças da ordem cubanas. Confirma sua versão dos fatos?


Yoani Sánchez – Efetivamente, confirmo que sofri violência. Mantiveram-me sequestrada por 25 minutos. Levei pancadas. Consegui pegar um papel que um deles levava no bolso e o coloquei em minha boca. Um deles pôs o joelho sobre meu peito e o outro, no assento dianteiro, me batia na região dos rins e golpeava minha cabeça para que eu abrisse a boca e soltasse o papel. Por um momento, achei que nunca sairia daquele carro.


SL – O relato, em seu blog, é verdadeiramente terrorífico. Cito textualmente: a senhora falou de “golpes e empurrões”, de “golpes nos nós dos dedos”, de “enxurrada de golpes”, do “joelho sobre o [seu] peito”, dos golpes nos “rins e […] na cabeça”, do “cabelo puxado”, de seu “rosto avermelhado pela pressão e o corpo dolorido”, dos “golpes [que] continuavam vindo” e “todas essas marcas roxas”. No entanto, quando a senhora recebeu a imprensa internacional em 9 de novembro, todas as marcas haviam desaparecido. Como explica isso?


YS – São profissionais do espancamento.


SL – Certo, mas por que a senhora não tirou fotos das marcas?


YS – Tenho as fotos. Tenho provas fotográficas.


SL – Tem provas fotográficas?


YS – Tenho as provas fotográficas.


SL – Mas por que não as publicou para desmentir todos os rumores segundo os quais a senhora havia inventado uma agressão para que a imprensa falasse de seu caso?


YS – Por enquanto prefiro guardá-las e não publicá-las. Quero apresentá-las um dia perante um tribunal, para que esses três homens sejam julgados. Lembro-me perfeitamente de seus rostos e tenho fotos de pelo menos dois deles. Quanto ao terceiro, ainda não está identificado, mas, como se tratava do chefe, será fácil de encontrar. Tenho também o papel que tirei de um deles e que tem minha saliva, pois o coloquei na boca. Neste papel estava escrito o nome de uma mulher.


SL – Certo. A senhora publica muitas fotos em seu blog. Para nós é difícil entender por que prefere não mostrar as marcas desta vez.


YS – Como já lhe disse, prefiro guardá-las para a Justiça.


SL – A senhora entende que, com essa atitude, está dando crédito aos que pensam que a agressão foi uma invenção.


YS – É minha escolha.


SL – No entanto, até mesmo os meios ocidentais que lhe são mais favoráveis tomaram precauções oratórias pouco habituais para divulgar seu relato. O correspondente da BBC em Havana, Fernando Ravsberg, por exemplo, escreve que a senhora “não tem hematomas, marcas ou cicatrizes”. A agência France Presseconta a história esclarecendo com muito cuidado que se trata de sua versão, sob o título “Cuba: a blogueira Yoani Sánchez diz ter sido agredida e detida brevemente”. O jornalista afirma, por outro lado, que a senhora “não ficou ferida”.


YS – Não quero avaliar o trabalho deles. Não sou eu quem deve julgá-lo. São profissionais que passam por situações muito complicadas, que não posso avaliar. O certo é que a existência ou não de marcas físicas não é a prova do fato.

SL – Mas a presença de marcas demonstraria que foram cometidas violências. Daí a importância da publicação das fotos.


YS – O senhor deve entender que tratamos de profissionais da intimidação. O fato de três desconhecidos terem me levado até um carro sem me apresentar nenhum documento me dá o direito de me queixar como se tivessem fraturado todos os ossos do corpo. As fotos não são importantes porque a ilegalidade está consumada. A precisão de que “me doeu aqui ou me doeu ali” é minha dor interior.


SL – Sim, mas o problema é que a senhora apresentou isso como uma agressão muito violenta. A senhora falou de “sequestro no pior estilo da Camorra siciliana”.


YS – Sim, é verdade, mas sei que é minha palavra contra a deles. Entrar nesse tipo de detalhes, para saber se tenho marcas ou não, nos afasta do tema verdadeiro, que é o fato de terem me sequestrado durante 25 minutos de maneira ilegal.


SL – Perdoe-me a insistência, mas creio que é importante. Há uma diferença entre um controle de identidade que dura 25 minutos e violências policiais. Minha pergunta é simples. A senhora disse, textualmente: “Durante todo o fim de semana fiquei com a maçã do rosto e o supercílio inflamados.” Como tem as fotos, pode agora mostrar as marcas.


YS – Já lhe disse que prefiro guardá-las para o tribunal.


SL – A senhora entende que, para algumas pessoas, será difícil acreditar em sua versão se a senhora não publicar as fotos.


YS – Penso que, entrando nesse tipo de detalhes, perde-se a essência. A essência é que três bloggers acompanhados por uma amiga dirigiam-se a um ponto da cidade que era a Rua 23, esquina G. Tínhamos ouvido falar que um grupo de jovens convocara uma passeata contra a violência. Pessoas alternativas, cantores de hip hop, de rap, artistas. Eu compareceria como blogueira para tirar fotos e publicá-las em meu blog e fazer entrevistas. No caminho, fomos interceptados por um carro da marca Geely.

SL – Para impedi-los de participar do evento?


YS – A razão, evidentemente, era esta. Eles nunca me disseram formalmente, mas era o objetivo. Disseram-me que entrasse no carro. Perguntei quem eles eram. Um deles me pegou pelo pulso e comecei a ir para trás. Isso aconteceu em uma zona bastante central de Havana, em um ponto de ônibus.


SL – Então havia outras pessoas. Havia testemunhas.


YS – Há testemunhas, mas não querem falar. Têm medo.


SL – Nem mesmo de modo anônimo? Por que a imprensa ocidental não as entrevistou preservando seu anonimato, como faz muitas vezes quando publica reportagens críticas sobre Cuba?


YS – Não posso lhe explicar a reação da imprensa. Posso lhe contar o que aconteceu. Um deles era um homem de uns cinquenta anos, musculoso como se tivesse praticado luta livre em algum momento da vida. Digo-lhe isso porque meu pai praticou esse esporte e tem as mesmas características. Tenho os pulsos muito finos e consegui escapar, e lhe perguntei quem era. Havia três homens além do motorista.


SL – Então havia quatro homens no total, e não três.

YS – Sim, mas não vi o rosto do motorista. Disseram-me: “Yoani, entre no carro, você sabe quem somos.” Respondi: “Não sei quem são os senhores.” O mais baixo me disse: “Escute-me, voce sabe quem sou, você me conhece.” Retruquei: “Não, não sei quem é você. Não o conheço. Quem é você? Mostre-me suas credenciais ou algum documento.” O outro me disse: “Entre, não torne as coisas mais difíceis.” Então comecei a gritar: “Socorro! Sequestradores! ”


SL – A senhora sabia que se tratava de policiais à paisana?


YS – Imaginava, mas eles não me mostraram seus documentos.


SL – Qual era seu objetivo, então?


YS – Queria que as coisas fossem feitas dentro da legalidade, ou seja, que me mostrassem seus documentos e me levassem depois, embora eu suspeitasse que eles representavam a autoridade. Ninguém pode obrigar um cidadão a entrar em um carro particular sem apresentar suas credenciais. Isso é uma ilegalidade e um sequestro.


SL – Como as pessoas no ponto de ônibus reagiram?


YS – As pessoas no ponto ficaram atônitas, pois “sequestro” não é uma palavra que se usa em Cuba, não existe esse fenômeno. Então se perguntaram o que estava acontecendo. Não tínhamos jeito de delinquentes. Alguns se aproximaram, mas um dos policiais lhes gritou: “Não se metam, que são contrarrevolucioná rios!”

Esta foi a confirmação de que se tratava de membros da polícia política, embora eu já imaginasse por causa do carro Geely, que é chinês, de fabricação atual, e não é vendido em nenhuma loja em Cuba. Esses carros pertencem exclusivamente a membros do Ministério das Forças Armadas e do Ministério do Interior.


SL – Então a senhora sabia desde o início, pelo carro, que se tratava de policiais à paisana.

YS – Intuía. Por outro lado, tive a confirmação quando um deles chamou um policial uniformizado. Uma patrulha formada por um homem e uma mulher chegou e levou dois de nós. Deixou-nos nas mãos desses dois desconhecidos.


SL – Mas a senhora já não tinha a menor dúvida sobre quem eles eram.


YS – Não, mas não nos mostraram nenhum documento. Os policiais não nos disseram que representavam a autoridade. Não nos disseram nada.


SL – É difícil entender o interesse das autoridades cubanas em agredi-la fisicamente, sob o risco de provocar um escândalo internacional. A senhora é famosa. Por que teriam feito isso?


YS – Seu objetivo era radicalizar- me, para que eu escrevesse textos violentos contra eles. Mas não conseguirão.


SL – Não se pode dizer que a senhora é branda com o governo cubano.


YS -Nunca recorro à violência verbal nem a ataques pessoais. Nunca uso adjetivos incendiários, como “sangrenta repressão”, por exemplo. Seu objetivo, então, era radicalizar- me.


SL – No entanto, a senhora é muito dura em relação ao governo de Havana. Em seu blog, a senhora diz: “o barco que faz água a ponto de naufragar”. A senhora fala dos “gritos do déspota”, de “seres das sombras, que, como vampiros, se alimentam de nossa alegria humana, nos incutem o medo por meio da agressão, da ameaça, da chantagem”, e afirma que “naufragaram o processo, o sistema, as expectativas, as ilusões. [É um] naufráfio [total]”. São palavras muito fortes.


YS – Talvez, mas o objetivo deles era queimar o fenômeno Yoani Sánchez, demonizar-me. Por isso meu blog permaneceu bloqueado por um bom tempo.

SL – Contudo, é surpreendente que as autoridades cubanas tenham decidido atacá-la fisicamente.


YS – Foi uma torpeza. Não entendo por que me impediram de assistir à passeata, pois não penso como aqueles que reprimem. Não tenho explicação. Talvez eles não quisessem que eu me reunisse com os jovens. Os policiais acreditavam que eu iria provocar um escândalo ou fazer um discurso incendiário.


Voltando ao assunto da detenção, os policiais levaram meus amigos de maneira enérgica e firme, mas sem violência. No momento em que me dei conta de que iriam nos deixar sozinhos com Orlando, com esses três tipos, agarrei-me a uma planta que havia na rua e Claudia agarrou-se a mim pela cintura para impedir a separação, antes de os policiais a levarem.


SL – Para que resistir às forças da ordem uniformizadas e correr o risco de ser acusada disso e cometer um delito? Na França, se resistimos à polícia, corremos o risco de sofrer sanções.


YS – De qualquer modo, eles nos levaram. A policial levou Claudia. As três pessoas nos levaram até o carro e comecei a gritar de novo: “Socorro! Um sequestro!”


SL – Por quê? A senhora sabia que se tratava de policiais à paisana.


YS – Não me mostraram nenhum papel. Então começaram a me bater e me empurraram em direção ao carro. Claudia foi testemunha e relatou isso.


SL – A senhora não acaba de me dizer que a patrulha a havia levado?


YS – Ela viu a cena de longe, enquanto o carro de polícia se afastava. Defendi-me e golpeei como um animal que sente que sua hora chegou. Deram uma volta rápida e tentaram tirar-me o papel da boca.

Agarrei um deles pelos testículos e ele redobrou a violência. Levaram-nos a um bairro bem periférico, La Timba, que fica perto da Praça da Revolução. O homem desceu, abriu a porta e pediu que saíssemos. Eu não quis descer. Eles nos fizeram sair à força com Orlando e foram embora.


Uma senhora chegou e dissemos que havíamos sido sequestrados. Ela nos achou malucos e se foi. O carro voltou, mas não parou. Eles só me jogaram minha bolsa, onde estavam meu celular e minha câmera.


SL – Voltaram para devolver seu celular e sua câmera?


YS – Sim.


SL – Não lhe parece estranho que se preocupassem em voltar? Poderiam ter confiscado seu celular e sua câmera, que são suas ferramentas de trabalho.


YS – Bem, não sei. Tudo durou 25 minutos.


SL – Mas a senhora entende que, enquanto não publicar as fotos, as pessoas duvidarão de sua versão, e isso lançará uma sombra sobre a credibilidade de tudo o que a senhora diz.


YS – Não importa.



A Suíça e o retorno a Cuba


SL – Em 2002, a senhora decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois, voltou a Cuba. É difícil entender por que a senhora deixou o “paraíso europeu” para regressar ao país que descreve como um inferno. A pergunta é simples: por quê?

YS – É uma ótima pergunta. Primeiro, gosto de nadar contra a corrente. Gosto de organizar minha vida à minha maneira. O absurdo não é ir embora e voltar a Cuba, e sim as leis migratórias cubanas, que estipulam que toda pessoa que passa onze meses no exterior perde seu status de residente permanente.


Em outras condições eu poderia permanecer dois anos no exterior e, com o dinheiro ganho, voltar a Cuba para reformar a casa e fazer outras coisas. Então o surpreendente não é o fato de eu decidir voltar a Cuba, e sim as leis migratórias cubanas.


SL – O mais surpreendente é que, tendo a possibilidade de viver em um dos países mais ricos do mundo, a senhora tenha decidido voltar a seu país, que descreve de modo apocalíptico, apenas dois anos depois de sua saída.


YS – As razões são várias. Primeiro, não pude ir embora com minha família. Somos uma pequena família, mas minha irmã, meus pais e eu somos muito unidos. Meu pai ficou doente em minha ausência e tive medo de que ele morresse sem que eu pudesse vê-lo. Também me sentia culpada por viver melhor do que eles. A cada vez que comprava um par de sapatos, que me conectava à internet, pensava neles. Sentia-me culpada.


SL – Certo, mas, da Suíça, a senhora podia ajudá-los enviando dinheiro.


YS – É verdade, mas há outro motivo. Pensei que, com o que havia aprendido na Suíça, poderia mudar as coisas voltando a Cuba. Há também a saudade das pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não me arrependo.

Tinha vontade de voltar e voltei. É verdade que isso pode parecer pouco comum, mas gosto de fazer coisas incomuns. Criei um blog e as pessoas me perguntaram por que eu fiz isso, mas o blog me satisfaz profissionalmente.

SL – Entendo. No entanto, apesar de todas essas razões, é difícil entender o motivo de seu regresso a Cuba quando no Ocidente se acredita que todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais surpreendente em seu caso, pois a senhora apresenta seu país, repito, de modo apocalíptico.


YS – Como filóloga, eu discutiria a palavra, pois “apocalíptico” é um termo grandiloquente. Há um aspecto que caracteriza meu blog: a moderação verbal.


SL – Não é sempre assim. A senhora, por exemplo, descreve Cuba como “uma imensa prisão, com muros ideológicos”. Os termos são bastantes fortes.


YS – Nunca escrevi isso.


SL – São as palavras de uma entrevista concedida ao canal francês France 24 em 22 de outubro de 2009.


YS – O senhor leu isso em francês ou em espanhol?


SL – Em francês.


YS – Desconfie das traduções, pois eu nunca disse isso. Com frequência me atribuem coisas que eu não disse. Por exemplo, o jornal espanhol ABC me atribuiu palavras que eu nunca havia pronunciado, e protestei. O artigo foi finalmente retirado do site na internet.


SL – Quais eram essas palavras?


YS – “Nos hospitais cubanos, morre mais gente de fome do que de enfermidades. ” Era uma mentira total. Eu jamais havia dito isso.

SL – Então a imprensa ocidental manipulou o que a senhora disse?


YS – Eu não diria isso.


SL – Se lhe atribuem palavras que a senhora não pronunciou, trata-se de manipulação.


YS – O Granma manipula a realidade mais do que a imprensa ocidental ao afirmar que sou uma criação do grupo midiático Prisa.


SL – Justamente, a senhora não tem a impressão de que a imprensa ocidental a usa porque a senhora preconiza um “capitalismo sui generis” em Cuba?


YS – Não sou responsável pelo que a imprensa faz. Meu blog é uma terapia pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou mais manipulada em meu próprio país do que em outra parte. O senhor sabe que existe uma lei em Cuba, a lei 88, chamada lei da “mordaça”, que põe na cadeia as pessoas que fazem o que estamos fazendo.


SL – O que isso quer dizer?


YS – Que nossa conversa pode ser considerada um delito, que pode ser punido com uma pena de até 15 anos de prisão.


SL – Perdoe-me, o fato de eu entrevistá-la pode levá-la para a cadeia?


YS – É claro!


SL – Não tenho a impressão de que isso a preocupe muito, pois a senhora está me concedendo uma entrevista em plena tarde, no saguão de um hotel no centro de Havana Velha.


YS – Não estou preocupada. Esta lei estipula que toda pessoa que denuncie as violações dos direitos humanos em Cuba colabora com as sanções econômicas, pois Washington justifica a imposição das sanções contra Cuba pela violação dos direitos humanos.


SL – Se não me engano, a lei 88 foi aprovada em 1996 para responder à Lei-Helms Burton e sanciona sobretudo as pessoas que colaboram com a aplicação desta legislação em Cuba, por exemplo fornecendo informações a Washington sobre os investidores estrangeiros no país, para que estes sejam perseguidos pelos tribunais norte-americanos. Que eu saiba, ninguém até agora foi condenado por isso.

Falemos de liberdade de expressão. A senhora goza de certa liberdade de tom em seu blog. Está sendo entrevistada em plena tarde em um hotel. Não vê uma contradição entre o fato de afirmar que não há nenhuma liberdade de expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e suas atividades, que provam o contrário?


YS – Sim, mas o blog não pode ser acessado desde Cuba, porque está bloqueado.


SL – Posso lhe assegurar que o consultei esta manhã antes da entrevista, no hotel.


YS – É possível, mas ele permanece bloqueado a maior parte do tempo. De todo modo, hoje em dia, mesmo sendo uma pessoa moderada, não posso ter nenhum espaço na imprensa cubana, nem no rádio, nem na televisão.


SL – Mas pode publicar o que tem vontade em seu blog.


YS – Mas não posso publicar uma única palavra na imprensa cubana.


SL – Na França, que é uma democracia, amplos setores da população não têm nenhum espaço nos meios, já que a maioria pertence a grupos econômicos e financeiros privados.


YS – Sim, mas é diferente.


SL – A senhora recebeu ameaças por suas atividades? Alguma vez a ameaçaram com uma pena de prisão pelo que escreve?


YS – Ameaças diretas de pena de prisão, não, mas não me deixam viajar ao exterior. Fui convidada há pouco para um Congresso sobre a língua espanhola no Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam sair.


SL – Deram-lhe alguma explicação?


YS – Nenhuma, mas quero dizer uma coisa. Para mim, as sanções dos Estados Unidos contra Cuba são uma atrocidade. Trata-se de uma política que fracassou. Afirmei isso muitas vezes, mas não se publica, pois é incômodo o fato de eu ter esta opinião que rompe com o arquétipo do opositor.



As sanções econômicas


SL – Então a senhora se opõe às sanções econômicas.


YS – Absolutamente, e digo isso em todas as entrevistas. Há algumas semanas, enviei uma carta ao Senado dos Estados Unidos pedindo que os cidadãos norte-americanos tivessem permissão para viajar a Cuba. É uma atrocidade impedir que os cidadãos norte-americanos viajem a Cuba, do mesmo modo que o governo cubano me impede de sair de meu país.


SL – O que acha das esperanças suscitadas pela eleição de Obama, que prometeu uma mudança na política para Cuba, mas decepcionou muita gente?


YS – Ele chegou ao poder sem o apoio do lobby fundamentalista de Miami, que defendeu o outro candidato. De minha parte, já me pronunciei contra as sanções.


SL – Este lobby fundamentalista é contra a suspensão das sanções econômicas.


YS – O senhor pode discutir com eles e lhes expor meus argumentos, mas eu não diria que são inimigos da pátria. Não penso assim.


SL – Uma parte deles participou da invasão de seu próprio país em 1961, sob as ordens da CIA. Vários estão envolvidos em atos de terrorismo contra Cuba.


YS – Os cubanos no exílio têm o direito de pensar e decidir. Sou a favor de que eles tenham direito ao voto. Aqui, estigmatizou- se muito o exílio cubano.


SL – O exílio “histórico” ou os que emigraram depois, por razões econômicas?


YS – Na verdade, oponho-me a todos os extremos. Mas essas pessoas que defendem as sanções econômicas não são anticubanas. Considere que elas defendem Cuba segundo seus próprios critérios.


SL – Talvez, mas as sanções econômicas afetam os setores mais vulneráveis da população cubana, e não os dirigentes. Por isso é difícil ser a favor das sanções e, ao mesmo tempo, querer defender o bem-estar dos cubanos.


YS – É a opinião deles. É assim.


SL – Eles não são ingênuos. Sabem que os cubanos sofrem com as sanções.


YS – São simplesmente diferentes. Acreditam que poderão mudar o regime impondo sanções. Em todo caso, creio que o bloqueio tem sido o argumento perfeito para o governo cubano manter a intolerância, o controle e a repressão interna.


SL – As sanções econômicas têm efeitos. Ou a senhora acha que são apenas uma desculpa para Havana?


YS – São uma desculpa que leva à repressão.


SL – Afetam o país de um ponto de vista econômico, para a senhora? Ou é apenas um efeito marginal?


YS – O verdadeiro problema é a falta de produtividade em Cuba. Se amanhã suspendessem as sanções, duvido muito que víssemos os efeitos.


SL – Neste caso, por que os Estados Unidos não suspendem as sanções, tirando assim a desculpa do governo? Assim perceberíamos que as dificuldades econômicas devem-se apenas às políticas internas. Se Washington insiste tanto nas sanções apesar de seu caráter anacrônico, apesar da oposição da imensa maioria da comunidade internacional, 187 países em 2009, apesar da oposição de uma maioria da opinião pública dos Estados Unidos, apesar da oposição do mundo dos negócios, deve ser por algum motivo, não?


YS – Simplesmente porque Obama não é o ditador dos Estados Unidos e não pode eliminar as sanções.


SL – Ele não pode eliminá-las totalmente porque não há um acordo no Congresso, mas pode aliviá-las consideravelmente, o que não fez até agora, já que, salvo a eliminação das sanções impostas por Bush em 2004, quase nada mudou.


YS – Não, não é verdade, pois ele também permitiu que as empresas de telecomunicaçõ es norte-americanas fizessem transações com Cuba.


Os prêmios internacionais, o blog e Barack Obama


SL – A senhora terá de admitir que é bem pouco, quando se sabe que Obama prometeu um novo enfoque para Cuba. Voltemos a seu caso pessoal. Como explica esta avalanche de prêmios, assim como seu sucesso internacional?


YS – Não tenho muito a dizer, a não ser expressar minha gratidão. Todo prêmio implica uma dose de subjetividade por parte do jurado. Todo prêmio é discutível. Por exemplo, muitos escritores latino-americanos mereciam o Prêmio Nobel de Literatura mais que Gabriel García Márquez.


SL – A senhora afirma isso porque acredita que ele não tem tanto talento ou por sua posição favorável à Revolução cubana? A senhora não nega seu talento de escritor, ou nega?


YS – É minha opinião, mas não direi que ele obteve o prêmio por esse motivo nem vou acusá-lo de ser um agente do governo sueco.


SL – Ele obteve o prêmio por sua obra literária, enquanto a senhora foi recompensada por suas posições políticas contra o governo. É a impressão que temos.


YS – Falemos do prêmio Ortega y Gasset, do jornal El País, que suscita mais polêmica. Venci na categoria “Internet”. Alguns dizem que outros jornalistas não conseguiram, mas sou uma blogueira e sou pioneira neste campo. Considero-me uma personagem da internet. O júri do prêmio Ortega y Gasset é formado por personalidades extremamente prestigiadas e eu não diria que elas se prestaram a uma conspiração contra Cuba.


SL – A senhora não pode negar que o jornal espanhol El País tem uma linha editorial totalmente hostil a Cuba. E alguns acham que o prêmio, de 15.000 euros, foi uma forma de recompensar seus escritos contra o governo.

YS – As pessoas pensam o que querem. Acredito que meu trabalho foi recompensado. Meu blog tem 10 milhões de visitas por mês. É um furacão.


SL – Como a senhora faz para pagar os gastos com a administração de semelhante tráfego?


YS – Um amigo na Alemanha se encarregava disso, pois o site estava hospedado na Alemanha. Há mais de um ano está hospedado na Espanha, e consegui 18 meses gratuitos graças ao prêmio The Bob’s.


SL – E a tradução para 18 línguas?


YS – São amigos e admiradores que o fazem voluntária e gratuitamente.


SL – Muitas pessoas acham difícil acreditar nisso, pois nenhum outro site do mundo, nem mesmo os das mais importantes instituições internacionais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, a União Europeia, dispõe de tantas versões de idioma. Nem o site do Departamento de Estado dos EUA, nem o da CIA contam com semelhante variedade.


YS – Digo-lhe a verdade.


SL – O presidente Obama inclusive respondeu a uma entrevista que a senhora fez. Como explica isso?


YS – Em primeiro lugar, quero dizer que não eram perguntas complacentes.


SL – Tampouco podemos afirmar que a senhora foi crítica, já que não pediu que ele suspendesse as sanções econômicas, sobre as quais a senhora diz que “são usadas como justificativa tanto para o descalabro produtivo quanto para reprimir os que pensam diferente”. É exatamente o que diz Washington sobre o tema.

O momento de maior atrevimento foi quando a senhora perguntou se ele pensava em invadir Cuba. Como a senhora explica que o presidente Obama tenha dedicado tempo a lhe responder apesar de sua agenda extremamente carregada, com uma crise econômica sem precedentes, a reforma do sistema de saúde, o Iraque, o Afeganistão, as bases militares na Colômbia, o golpe de Estado em Honduras e centenas de pedidos de entrevista dos mais importantes meios do mundo à espera?


YS – Tenho sorte. Quero lhe dizer que também enviei perguntas ao presidente Raúl Castro e ele não me respondeu. Não perco a esperança. Além disso, ele agora tem a vantagem de contar com as respostas de Obama.


SL – Como a senhora chegou até Obama?


YS – Transmiti as perguntas a várias pessoas que vinham me visitar e poderiam ter um contato com ele.


SL – Em sua opinião, Obama respondeu porque a senhora é uma blogueira cubana ou porque se opõe ao governo?


YS – Não creio. Obama respondeu porque fala com os cidadãos.


SL – Ele recebe milhões de solicitações a cada dia. Por que lhe respondeu, se a senhora é uma simples blogueira?


YS – Obama é próximo de minha geração, de meu modo de pensar.


SL – Mas por que a senhora? Existem milhões de blogueiros no mundo. Não acha que foi usada na guerra midiática de Washington contra Havana?


YS – Em minha opinião, ele talvez quisesse responder a alguns pontos, como a invasão de Cuba. Talvez eu tenha lhe dado a oportunidade de se manifestar sobre um tema que ele queria abordar havia muito tempo. A propaganda política nos fala constantemente de uma possível invasão de Cuba.


SL – Mas ocorreu uma, não?


YS – Quando?


SL – Em 1961. E, em 2003, Roger Noriega, subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, disse que qualquer onda migratória cubana em direção aos Estados Unidos seria considerada uma ameaça à segurança nacional e exigiria uma resposta militar.


YS – É outro assunto. Voltando ao tema da entrevista, creio que ela permitiu esclarecer alguns pontos. Tenho a impressão de que há uma intenção de ambos os lados de não normalizar as relações, de não se entender. Perguntei-lhe quando encontraríamos uma solução.


SL – A seu ver, quem é responsável por este conflito entre os dois países?


YS – É difícil apontar um culpado.


SL – Neste caso específico, são os Estados Unidos que impõem sanções unilaterais a Cuba, e não o contrário.


YS – Sim, mas Cuba confiscou propriedades dos Estados Unidos.


SL – Tenho a impressão de que a senhora faz o papel de advogada de Washington.


YS – Os confiscos ocorreram.

SL – É verdade, mas foram realizados conforme o direito internacional. Cuba também confiscou propriedades da França, Espanha, Itália, Bélgica, Reino Unido, e indenizou estas nações. O único país que recusou as indenizações foram os Estados Unidos.


YS – Cuba também permitiu a instalação de bases militares em seu território e de mísseis de um império distante…


SL – …Como os Estados Unidos instalaram bases nucleares contra a URSS na Itália e na Turquia.


YS – Os mísseis nucleares podiam alcançar os Estados Unidos.


SL – Assim como os mísseis nucleares norte-americanos podiam alcançar Cuba ou a URSS.


YS – É verdade, mas creio que houve uma escalada no confronto por parte de ambos os países.



Os cinco presos políticos cubanos e a dissidência


SL – Abordemos outro tema. Fala-se muito dos cinco presos políticos cubanos nos Estados Unidos, condenados à prisão perpétua por infiltrar grupelhos de extrema direita na Flórida envolvidos no terrorismo contra Cuba.


YS – Não é um tema que interesse à população. É propaganda política.


SL – Mas qual é seu ponto de vista a respeito?


YS – Tentarei ser o mais neutra possível. São agentes do Ministério do Interior que se infiltraram nos Estados Unidos para coletar informações. O governo de Cuba disse que eles não desempenhavam atividades de espionagem, mas sim que haviam infiltrado grupos cubanos para evitar atos terroristas. Mas o governo cubano sempre afirmou que esses grupos estavam ligados a Washington.


SL – Então os grupos radicais de exilados têm laços com o governo dos Estados Unidos.


YS – É o que diz a propaganda política.


SL – Então não é verdade.


YS – Se é verdade, significa que os cinco realizavam atividades de espionagem.


SL – Neste caso, os Estados Unidos têm de reconhecer que os grupos violentos fazem parte do governo.


YS – É verdade.


SL – A senhora acha que os Cinco devem ser libertados ou merecem a punição?


YS – Creio que valeria a pena revisar os casos, mas em um contexto político mais apaziguado. Não acho que o uso político deste caso seja bom para eles. O governo cubano midiatiza demais este assunto.


SL – Talvez por ser um assunto totalmente censurado pela imprensa ocidental.


YS – Creio que seria bom salvar essas pessoas, que são seres humanos, têm uma família, filhos. Por outro lado, contudo, também há vítimas.


SL – Mas os cinco não cometeram crimes.


YS – Não, mas forneceram informações que causaram a morte de várias pessoas.


SL – A senhora se refere aos acontecimentos de 24 de fevereiro de 1996, quando dois aviões da organização radical Brothers to the Rescue foram derrubados depois de violar várias vezes o espaço aéreo cubano e lançar convocações à rebelião.


YS – Sim.


SL – No entanto, o promotor reconheceu que era impossível provar a culpa de Gerardo Hernández neste caso.


YS – É verdade. Penso que, quando a política se intromete em assuntos de justiça, chegamos a isso.


SL – A senhora acha que se trata de um caso político?


YS – Para o governo cubano, é um caso político.

SL – E para os Estados Unidos?


YS – Penso que existe uma separação dos poderes no país, mas é possível que o ambiente político tenha influenciado os juízes e jurados. Não creio, no entanto, que se trate de um caso político dirigido por Washigton. É difícil ter uma imagem clara deste caso, pois jamais obtivemos uma informação completa a respeito. Mas a prioridade para os cubanos é a libertação dos presos políticos.



O financiamento


SL – Wayne S. Smith, último embaixador dos Estados Unidos em Cuba, declarou que era “ilegal e imprudente enviar dinheiro aos dissidentes cubanos”. Acrescentou que “ninguém deveria dar dinheiro aos dissidentes, muito menos com o objetivo de derrubar o governo cubano”.


Ele explica: “Quando os Estados Unidos declaram que seu objetivo é derrubar o governo cubano e depois afirmam que um dos meios para conseguir isso é oferecer fundos aos dissidentes cubanos, estes se encontram de fato na posição de agentes pagos por uma potência estrangeira para derrubar seu próprio governo”.


YS – Creio que o financiamento da oposição pelos Estados Unidos tem sido apresentado como uma realidade, o que não é o caso. Conheço vários membros do grupo dos 75 dissidentes presos em 2003 e duvido muito dessa versão. Não tenho provas de que os 75 tenham sido presos por isso. Não acredito nas provas apresentadas nos tribunais cubanos.


SL – Não creio que seja possível ignorar esta realidade.


YS – Por quê?


SL – O próprio governo dos Estados Unidos afirma que financia a oposição interna desde 1959. Basta consultar, além dos arquivos liberados ao público, a seção 1.705 da lei Torricelli, de 1992, a seção 109 da lei Helms-Burton, de 1996, e os dois informes da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, de maio de 2004 e julho de 2006. Todos esses documentos revelam que o presidente dos Estados Unidos financia a oposição interna em Cuba com o objetivo de derrubar o governo de Havana.


YS: Não sei, mas…


SL – Se me permite, vou citar as leis em questão. A seção 1.705 da lei Torricelli estipula que “os Estados Unidos proporcionarã o assistência às organizações não-governamentais adequadas para apoiar indivíduos e organizações que promovem uma mudança democrática não violenta em Cuba.”


A seção 109 da lei Helms-Burton também é muito clara: “O presidente [dos Estados Unidos] está autorizado a proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não-governamentais independentes para unir os esforços a fim de construir uma democracia em Cuba”.


O primeiro informe da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre prevê a elaboração de um “sólido programa de apoio que favoreça a sociedade civil cubana”. Entre as medidas previstas há um financiamento de 36 milhões de dólares para o “apoio à oposição democrática e ao fortalecimento da sociedade civil emergente”.

O segundo informe da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre prevê um orçamento de 31 milhões de dólares para financiar ainda mais a oposição interna.

Além disso, está previsto para os anos seguintes um financiamento anual de pelo menos 20 milhões de dólares, com o mesmo objetivo, “até que a ditadura deixe de existir”.


YS – Quem lhe disse que esse dinheiro chegou às mãos dos dissidentes?


SL – A Seção de Interesses Norte-americanos afirmou em um comunicado: “A política norte-americana, faz muito tempo, é proporcionar assistência humanitária ao povo cubano, especificamente a famílias de presos políticos. Também permitimos que as organizações privadas o façam.”


YS – Bem…


SL – Inclusive a Anistia Internacional, que lembra a existência de 58 presos políticos em Cuba, reconhece que eles estão detidos “por ter recebido fundos ou materiais do governo norte-americano para realizar atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais para Cuba”.


YS – Não sei se…


SL – Por outro lado, os próprios dissidentes admitem receber dinheiro dos Estados Unidos. Laura Pollán, das Damas de Branco, declarou: “Aceitamos a ajuda, o apoio, da ultradireita à esquerda, sem condições”. O opositor Vladimiro Roca também confessou que a dissidência cubana é subvencionada por Washington, alegando que a ajuda financeira recebida era “total e completamente lícita”. Para o dissidente René Gómez, o apoio econômico por parte dos Estados Unidos “não é algo a esconder ou de que precisemos nos envergonhar” .


Inclusive a imprensa ocidental reconhece. A agência France Presse informa que “os dissidentes, por sua parte, reivindicaram e assumiram essas ajudas econômicas”. A agência espanhola EFEmenciona os “opositores financiados pelos Estados Unidos”. Quanto à agência de notícias britânica Reuters, “o governo norte-americano fornece abertamente um apoio financeiro federal às atividades dos dissidentes, o que Cuba considera um ato ilegal”. E eu poderia multiplicar os exemplos.


YS – Tudo isso é culpa do governo cubano, que impede a prosperidade econômica de seus cidadãos, que impõe um racionamento à população. É preciso fazer fila para conseguir produtos. É necessário julgar antes o governo cubano, que levou milhares de pessoas a aceitar a ajuda estrangeira.


SL – O problema é que os dissidentes cometem um delito que a lei cubana e todos os códigos penais do mundo sancionam severamente. Ser financiado por uma potência estrangeira é um grave delito na Franca e no restante do mundo.


YS – Podemos admitir que o financiamento de uma oposição é uma prova de ingerência, mas…


SL – Mas, neste caso, as pessoas que a senhora qualifica de presos políticos não são presos políticos, pois cometeram um delito ao aceitar dinheiro dos Estados Unidos, e a justiça cubana as condenou com base nisso.


YS – Creio que este governo se intrometeu muitas vezes nos assuntos internos de outros países, financiando movimentos rebeldes e a guerrilha. Interveio em Angola e…


SL – Sim, mas se tratava de ajudar os movimentos independentistas contra o colonialismo português e o regime segregacionista da África do Sul. Quando a África do Sul invadiu a Namíbia, Cuba interveio para defender a independência deste país. Nelson Mandela agradeceu publicamente a Cuba e esta foi a razão pela qual fez sua primeira viagem a Havana, e não a Washington ou Paris.


YS – Mas muitos cubanos morreram por isso, longe de sua terra.


SL – Sim, mas foi por uma causa nobre, seja em Angola, no Congo ou na Namíbia. A batalha de Cuito Cuanavale, em 1988, permitiu que se pusesse fim ao apartheid na África do Sul. É o que diz Mandela! Não se sente orgulhosa disso?


YS – Concordo, mas, no fim das contas, incomoda-me mais a ingerência de meu país no exterior. O que faz falta é despenalizar a prosperidade.


SL – Inclusive o fato de se receber dinheiro de uma potência estrangeira?


YS – As pessoas têm de ser economicamente autônomas.


SL – Se entendo bem, a senhora preconiza a privatização de certos setores da economia.


YS – Não gosto do termo “privatizar” , pois tem uma conotação pejorativa, mas colocar em mãos privadas, sim.



Conquistas sociais em Cuba?


SL – É uma questão semântica, então. Quais são, para a senhora, as conquistas sociais deste país?


YS – Cada conquista teve um custo enorme. Todas as coisas que podem parecer positivas tiveram um custo em termos de liberdade. Meu filho recebe uma educação muito doutrinária e contam-lhe uma história de Cuba que em nada corresponde à realidade. Preferiria uma educação menos ideológica para meu filho. Por outro lado, ninguém quer ser professor neste país, pois os salários são muito baixos.


SL – Concordo, mas isso não impede que Cuba seja o país com o maior número de professores por habitante do mundo, com salas de 20 alunos no máximo, o que não ocorre na França, por exemplo.


YS – Sim, mas houve um custo, e por isso a educação e a saúde não são verdadeiras conquistas para mim.


SL – Não podemos negar algo reconhecido por todas as instituições internacionais. Em relação à educação, o índice de analfabetismo é de 11,7% na América Latina e 0,2% em Cuba. O índice de escolaridade no ensino primário é de 92% na América Latina e 100% em Cuba, e no ensino secundário é de 52% e 99,7%, respectivamente. São cifras do Departamento de Educação da Unesco.


YS – Certo, mas, em 1959, embora Cuba vivesse em condições difíceis, a situação não era tão ruim. Havia uma vida intelectual florescente, um pensamento político vivo. Na verdade, a maioria das supostas conquistas atuais, apresentadas como resultados do sistema, eram inerentes a nossa idiossincrasia. Essas conquistas existiam antes.


SL – Não é verdade. Vou citar uma fonte acima de qualquer suspeita: um informe do Banco Mundial. É uma citação bastante longa, mas vale a pena.


“Cuba é internacionalmente reconhecida por seus êxitos no campo da educação e da saúde, com um serviço social que supera o da maior parte dos países em desenvolvimento e, em certos setores, comparável ao dos países desenvolvidos. Desde a Revolução cubana de 1959 e do estabelecimento de um governo comunista com partido único, o país criou um sistema de serviços sociais que garante o acesso universal à educação e à saúde, proporcionado pelo Estado. Este modelo permitiu que Cuba alcançasse uma alfabetização universal, a erradicação de certas enfermidades, o acesso geral à água potável e a salubridade pública de base, uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas da região e uma das maiores expectativas de vida.


Uma revisão dos indicadores sociais de Cuba revela uma melhora quase contínua desde 1960 até 1980. Vários índices importantes, como a expectativa de vida e a taxa de mortalidade infantil, continuaram melhorando durante a crise econômica do país nos anos 90… Atualmente, o serviço social de Cuba é um dos melhores do mundo em desenvolvimento, como documentam numerosas fontes internacionais, entre elas a Organização Mundial de Saúde, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras agências da ONU, e o Banco Mundial. Segundo os índices de desenvolvimento do mundo em 2002, Cuba supera amplamente a América Latina e o Caribe e outros países com renda média nos mais importantes indicadores de educação, saúde e salubridade pública.”


Além disso, os números comprovam. Em 1959, a taxa de mortalidade infantil era de 60 por mil. Em 2009, era de 4,8. Trata-se da taxa mais baixa do continente americano do Terceiro Mundo; inclusive mais baixa que a dos Estados Unidos.


YS – Bom, mas…


SL – A expectativa de vida era de 58 anos antes da Revolução. Agora é de quase 80 anos, similar à de muitos países desenvolvidos. Cuba tem hoje 67.000 médicos frente aos 6.000 de 1959. Segundo o diário ingles The Guardian, Cuba tem duas vezes mais médicos que a Inglaterra para uma população quatro vezes menor.


YS – Certo, mas, em termos de liberdade de expressão, houve um recuo em relação ao governo de Batista. O regime era uma ditadura, mas havia uma liberdade de imprensa plural e aberta, programas de rádio de todas as tendências políticas.


SL – Não é verdade. A censura da imprensa também existia. Entre dezembro de 1956 e janeiro de 1959, durante a guerra contra o regime de Batista, a censura foi imposta em 630 de 759 dias. E aos opositores reservava-se um triste destino.


YS – É verdade que havia censura, intimidações e mortos ao final.


SL – Então a senhora não pode dizer que a situação era melhor com Batista, já que os opositores eram assassinados. Já não é o caso hoje. A senhora acha que a data de 1º de janeiro é uma tragédia para a história de Cuba?


YS – Não, de modo algum. Foi um processo que motivou muita esperança, mas traiu a maioria dos cubanos. Fui um momento luminosos para boa parte da população, mas puseram fim a uma ditadura e instauraram outra. Mas não sou tão negativa como alguns.



Luis Posada Carriles, a lei de Ajuste Cubano e a emigração


SL – O que acha de Luis Posada Carriles, ex-agente da CIA responsável por numerosos crimes em Cuba e a quem os Estados Unidos recusam-se a julgar?


YS – É um tema político que não interessa às pessoas. É uma cortina de fumaça.


SL – Interessa, pelo menos, aos parentes das vítimas. Qual é seu ponto de vista a respeito?


YS – Não gosto de ações violentas.


SL – Condena seus atos terroristas?


YS – Condeno todo ato de terrorismo, inclusive os cometidos atualmente no Iraque por uma suposta resistência iraquiana que mata os iraquianos.


SL – Quem mata os iraquianos? Os ataques da resistência ou os bombardeios dos Estados Unidos?


YS – Não sei.


SL – Uma palavra sobre a lei de Ajuste Cubano, que determina que todo cubano que emigra legal o ilegalmente para os Estados Unidos obtém automaticamente o status de residente permanente.


YS – É uma vantagem que os demais países não têm. Mas o fato de os cubanos emigrarem para os Estados Unidos deve-se à situação difícil aqui.


SL – Além disso, os Estados Unidos são o país mais rico do mundo. Muitos europeus também emigram para lá. A senhora reconhece que a lei de Ajuste Cubano é uma formidável ferramenta de incitação à emigração legal e ilegal?


YS – É, efetivamente, um fator de incitação.


SL – A senhora não vê isso como uma ferramenta para desestabilizar a sociedade e o governo?


YS – Neste caso, também podemos dizer que a concessão da cidadania espanhola aos descendentes de espanhóis nascidos em Cuba é um fator de desestabilização.


SL – Não tem nada a ver, pois existem razões históricas e, além disso, a Espanha aplica esta lei a todos os países da América Latina e não só a Cuba, enquanto a lei de Ajuste Cubano é única no mundo.


YS – Mas existem fortes relações. Joga-se beisebol em Cuba como nos Estados Unidos.


SL – Na República Dominicana também, mas não existe uma lei de ajuste dominicano.


YS – Existe, no entanto, uma tradição de aproximação.


SL – Então por que esta lei não foi aprovada antes da Revolução?


YS – Por que os cubanos não queriam deixar seu país. Na época, Cuba era um país de imigração, não de emigração.


SL – É absolutamente falso, já que, nos anos 50, Cuba ocupava o segundo lugar entre os países americanos em termos de emigração rumo aos Estados Unidos, imediatamente atrás do México. Cuba mandava mais emigrantes para os Estados Unidos que toda a América Central e toda a América do Sul juntas, enquanto que atualmente Cuba só ocupa o décimo lugar apesar da lei de Ajuste Cubano e das sanções econômicas.


YS – Talvez, mas não havia essa obsessão de abandonar o país.


SL – As cifras demonstram o contrário. Atualmente, repito, Cuba só ocupa o décimo lugar no continente americano em termos de fluxo migratório para os Estados Unidos. Então a obsessão da qual você me fala é mais forte em nove países do continente pelo menos.


YS – Sim, mas naquela época os cubanos iam e regressavam.


SL- É a mesma coisa hoje, já que a cada ano os cubanos do exterior voltam nas férias. Além disso, antes de 2004 e das restrições impostas pelo presidente Bush limitando as viagens dos cubanos dos EUA a 14 dias a cada três anos, os cubanos constituíam a minoria dos EUA que viajava com mais frequência a seu país de origem, muito mais que os mexicanos, por exemplo, o que demonstra que os cubanos dos EUA são, na imensa maioria, emigrados econômicos e não exilados políticos, já que voltam a seu país em visita, algo que um exilado político não faria.


YS- Sim, mas pergunte-lhes se querem voltar a viver aqui.


SL- Mas é o que a senhora fez, não? Além disso, em seu blog, a senhora escreveu em julho de 2007 que seu caso não era isolado. Cito: “Há três anos […] em Zurique, decidir voltar e permanecer em meu país. Meus amigos acharam que era uma piada, minha mãe negou-se a aceitar que sua filha já não vivia na Suíça do leite e do chocolate”. Em 12 de agosto de 2004, a senhora se apresentou no escritório de imigração provincial de Havana para explicar seu caso. A senhora escreveu: “Tremenda surpresa quando me disseram para procurar o último da fila dos ‘que regressam’. […] E logo encontrei outros ‘loucos’ como eu, cada um com sua cruel história de retorno”. Então existe esse fenômeno de regresso ao país.


YS- Sim, mas é gente que regressa por razões pessoais. Há alguns que têm dívidas no exterior, outros que não suportam a vida lá fora. Enfim, uma multidão de razões.


SL- Então, apesar das dificuldades e das vicissitudes cotidianas, a vida não é tão terrível aqui, já que alguns regressam. A senhora acha que os cubanos têm uma visão idílica demais da vida no exterior?


YS- Isto se deve à propaganda do regime, que apresenta de uma maneira negativa demais a vida lá fora, com um resultado oposto para as pessoas, que idealizam demais o modo de vida ocidental. O problema é que, em Cuba, a emigração de mais de onze meses é definitiva. As pessoas não podem viver dois anos fora, voltar por um tempo e ir embora de novo etc.


SL- Então, se compreendo bem, o problema em Cuba é mais de ordem econômica, já que as pessoas querem abandonar o país só para melhorar seu nível de vida.


YS- Muitos gostariam de viajar ao exterior e poder voltar logo, mas as leis migratórias não permitem. Tenho certeza de que, se fosse possível, muita gente emigraria por dois anos e voltaria logo para ir embora de novo e regressar, etc.


SL- Em seu blog, houve comentários interessantes a respeito. Vários emigrados falaram de suas desilusões com o modo de vida ocidental.


YS- É muito humano. Você se apaixona por uma mulher e, três meses depois, perde suas ilusões. Compra um par de sapatos e, depois de dois dias, não gosta deles. As desilusões são parte da condição humana. O pior é que as pessoas não podem voltar.


SL- Mas as pessoas voltam.


YS- Sim, mas só de férias.


SL- Mas têm o direito de ficar todo o tempo que quiserem, vários anos inclusive, salvo o fato de perderem algumas vantagens vinculadas à condição de residente permanente, como os cupons de racionamento, a prioridade para a moradia etc.


YS- Sim, mas as pessoas não podem ficar aqui por vários meses, pois têm sua vida lá fora, seu trabalho etc.


SL- Isso é outra coisa, e é igual para todos os emigrados do mundo inteiro. Em todo caso, as pessoas podem perfeitamente voltar a Cuba quando quiserem e permanecer no país o tempo que quiserem. O único problema é que, se ficam mais de onze meses fora do país, perdem algumas vantagens. Por outro lado, custa-me compreender por que, se a realidade é tão terrível aqui, alguém que tem a oportunidade de viver fora, em um país desenvolvido, desejaria voltar para viver novamente em Cuba.


YS- Por múltiplas razões, por seus laços familiares etc.


SL- Então a realidade não é tão dramática.


YS- Não diria isso, mas alguns têm melhores condições de vida que outros.


SL- Quais são, para a senhora, os objetivos do governo dos EUA em relação a Cuba?


YS- Os EUA querem uma mudança de governo em Cuba, mas isso é o que quero também.


SL- Então a senhora compartilha um objetivo com os EUA.


YS- Como muitos cubanos.


SL- Não estou convencido disso. Mas por quê? Porque é uma ditadura? O que Washington quer de Cuba?


YS- Creio que se trata de um questão geopolítica. Há também a vontade dos exilados cubanos, que são levados em conta, e querem uma nova Cuba, o bem-estar dos cubanos.


SL- Com a imposição de sanções econômicas?


YS- Tudo depende de quem é a referência. Quanto aos EUA, creio que querem impedir a explosão da bomba migratória.


SL- Ah, é? Com a lei de Ajuste Cubano, que incita os cubanos a abandonar o país? Não é sério. Por que não anulam essa lei, então?


YS- Creio que o verdadeiro objetivo dos EUA é acabar com o governo de Cuba para dispor de um espaço mais estável. Muito se fala de Davi contra Golias para descrever o conflito. Mas o único Golias, para mim, é o governo cubano, que impõe um controle, a ilegalidade, os baixos salários, a repressão, as limitações.


SL- A senhora não acha que a hostilidade dos EUA contribuiu para isso?


YS- Não apenas acho que contribuiu, mas também que se transformou no principal argumento para se afirmar que vivemos em uma fortaleza assediada e que toda dissidência é traição. Acredito que, na verdade, o governo cubano teme que este confronto desapareça. O governo cubano quer a manutenção das sanções econômicas.


SL- Verdade? Porque é exatamente o que diz Washington, de um modo um pouco contraditório, pois, se fosse o caso, deveria suspender as sanções e assim deixar o governo cubano diante de suas próprias responsabilidades. Já não existiria a desculpa das sanções para justificar os problemas de Cuba.


YS- Cada vez que os EUA tentaram melhorar a situação, o governo cubano teve uma atitude contraproducente.


SL- Em que momento os EUA tentaram melhorar a situação? Desde 1960 só se reforçaram as sanções, à exceção da era Carter. Por isso é difícil manter esse discurso. Em 1992, os EUA votaram a lei Torricelli, com caráter extraterritorial; em 1996, a lei Helms-Burton, extraterritorial e retroativa; em 2004, Bush adotou novas sanções, e as ampliou em 2006. Não podemos dizer que os Estados Unidos tentaram melhorar a situação. Os fatos provam o contrário. Além disso, se as sanções são favoráveis ao governo cubano e servem apenas de desculpa, por que não eliminá-las? Não são os dirigentes que sofrem com as sanções, e sim o povo.


YS- Obama deu um passo nesse sentido – insuficiente, talvez, mas interessante.


SL- Ele apenas eliminou as restrições que Bush impôs aos cubanos e lhes impedia de viajar a seu país por mais de 14 dias a cada três anos, na melhor das hipóteses, e contanto que tivessem um membro direto de sua família em Cuba. Bush inclusive redefiniu o conceito de família. Um cubano da Flórida com apenas um tio em Cuba não podia viajar a seu país, porque o tio não era considerado membro “direto” da família. Obama não eliminou todas as sanções impostas por Bush, e nem sequer voltamos à situação que havia com Clinton.


YS-Creio que as duas partes deveriam, sobretudo, baixar o tom, e Obama o fez. Mas Obama não pode eliminar as sanções, pois falta um acordo no Congresso.


SL- Mas pode aliviá-las consideravelmente assinando simples ordens executivas, o que por enquanto ele se recusa a fazer. Está ocupado com outros temas, como o desemprego e a reforma da saúde.No entanto, teve tempo de responder à sua entrevista.


YS- Sou uma pessoa de sorte.


SL- A posição do governo cubano é a seguinte: não temos de dar nenhum passo em direção aos EUA, pois não impomos sanções aos EUA.


YS- Sim, e o governo diz também que os EUA não devem pedir mudanças internas, pois isso é ingerência.


SL- É o caso, não?


YS- Então, seu eu pedir uma mudança, também é ingerência?


SL- Não, porque a senhora é cubana e, por isso, tem direito de decidir o futuro de seu país.


YS- O problema não é quem pede as mudanças, e sim quais são as mudanças em questão.


SL- Não estou certo disso, porque, como francês, não gostaria que o governo belga ou o governo alemão se intrometessem nos assuntos internos da França. Como cubana, a senhora aceita que o governo dos EUA lhe diga como deve governar seu país?


YS- Se o objetivo é agredir o país, é evidentemente inaceitável.


SL- A senhora considera as sanções econômicas uma agressão?


YS- Sim, as considero uma agressão que não teve resultados e é uma múmia da guerra fria que não faz nenhum sentido, atinge o povo e tem fortalecido o governo. Mas repito que o governo cubano é responsável por 80% da crise econômica atual, enquanto 20% resultam das sanções.


SL- Volto a repetir: é exatamente a posição do governo dos EUA, e os números provam o contrário. Se fosse o caso, não creio que 187 países do mundo se preocupassem em votar uma resolução contra as sanções. É a 18ª vez consecutiva que uma imensa maioria dos países da ONU se pronuncia contra esse castigo econômico. Se fosse marginal, não creio que eles se incomodassem.


YS- Mas não sou uma especialista em economia, é minha impressão pessoal.


SL- O que a senhora aconselha para Cuba?


YS- É preciso liberalizar a economia. É claro que isso não pode ser feito de um dia para o outro, pois provocaria uma ruptura e disparidades que afetariam os mais vulneráveis. Mas é preciso fazê-lo gradualmente e o governo cubano tem a possibilidade de fazê-lo.


SL- Um capitalismo “sui generis”, com a senhora diz.


YS-Cuba é uma ilha sui generis. Podemos criar um capitalismo sui generis.

SL- Yoani Sánchez, obrigado por seu tempo e disponibilidade.


YS- Eu que agradeço



*Salim Lamrani é graduado pela Universidade de Sorbonne, professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Descartes e na Universidade París-Est Marne-la-Vallée e especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos.




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