por Marcelo W. Proni
Muitos torcedores fanáticos não podem ir ao estádio, mas querem continuar vendo seu time disputando ao menos o torneio estadual, com duas partidas semanais. Para eles, o futebol é mais do que um entretenimento: é um estimulante que ajuda a suportar a angústia diária que continua atormentando a vida da maioria das pessoas.
Muitos dirigentes de clubes endividados não podem contar com o dinheiro da bilheteria, mas querem continuar recebendo as receitas de patrocínio e de direitos de transmissão. Os custos fixos são muito elevados, e qualquer interrupção que coloque em risco o calendário futebolístico pode representar perdas expressivas ao final da temporada.
Muitos jogadores privilegiados, que recebem salários elevados e participam dos torneios com maior visibilidade, sabem que não estão totalmente protegidos pelas normas de segurança, mas dizem que o show precisa continuar. Provavelmente, para que não sejam obrigados a aceitar redução salarial e, em alguns casos, para não perderem o emprego.
E muitos jornalistas esportivos gostariam que o futebol fosse mantido dentro de uma bolha, tomando-se todas as providências necessárias para que o caos social não penetre nesse campo tão precioso. Como se fosse um mundo à parte, regido pelas suas próprias leis.
Por outro lado, há também torcedores, dirigentes, jornalistas, treinadores e jogadores que defendem a paralisação dos torneios como uma medida essencial para combater a pandemia e preservar a saúde de todos os envolvidos. E os motivos da preocupação ou temor são vários, como tem sido noticiado na imprensa esportiva.
Ao contrário do que se observa em outros países, onde a ação do governo tem sido efetiva e a população tem cumprido as recomendações para conter o contágio, no Brasil a pandemia continua se propagando rapidamente. E muitos torcedores por aqui se recusam a evitar aglomerações, seja para assistir jogos em telões, seja para comemorar vitórias, seja para protestar nas derrotas.
A internação de alguns treinadores e auxiliares gerou preocupação, especialmente após a divulgação do falecimento de personagens conhecidos no meio futebolístico. Não há notícia de jogadores que tenham tido graves sequelas decorrentes da doença. Mas, é preciso lembrar que no Brasil há mais de 700 clubes profissionais registrados e mais de 11 mil jogadores com contrato de trabalho em atividade, sendo que a maioria desses atletas profissionais ganha muito pouco e tem uma condição social vulnerável.
Além disso, é preciso considerar que a covid-19 afeta os elencos dos clubes em momentos diferentes, desequilibrando a competição e prejudicando a qualidade do espetáculo. E, como houve a disseminação de novas variantes do vírus, é provável que muitos atletas sejam reinfectados, correndo o risco de sequelas da doença. Além disso, pode ocorrer, inclusive, um aumento dos gastos dos clubes com tratamento médico.
A paralisação dos torneios neste momento crucial de combate à pandemia no país como um todo é uma necessidade, ainda que possa causar muitos prejuízos financeiros. A solução mais óbvia é a redução do número de jogos do Campeonato Brasileiro (Séries A e B), mesmo que isso acarrete a redução do valor pago pela Rede Globo. Lembrando que também diminuiriam os gastos com transporte e hospedagem.
Por isso, é necessário que a CBF, as federações estaduais e os clubes mais ricos se reúnam para criar um plano de enfrentamento da pandemia baseado na solidariedade e no cuidado com as pessoas. É fundamental garantir receitas emergenciais para a maioria dos clubes (a CBF tem reservas que podem ser usadas para isso), buscar meios para suspender o pagamento de impostos (ou uma moratória para as dívidas existentes) e reduzir os custos fixos da atividade (principalmente os salários e remunerações dos atletas privilegiados).
São medidas destinadas a assegurar a integridade do sistema federativo, evitar o desemprego de atletas e treinadores (e funcionários) e conter a desvalorização do patrimônio. Mas, também são medidas destinadas a preservar a vida e a saúde dos torcedores apaixonados e dos familiares de todos os envolvidos. Portanto, medidas destinadas a demonstrar que o futebol não é um mundo apartado da sociedade brasileira.
Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). É doutor em Educação Física e tem vários estudos publicados na área de Economia do Esporte. Autor do livro “A metamorfose do futebol” e coautor do livro “Impactos econômicos de megaeventos esportivos”.
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