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PVC não conhece nada sobre João Saldanha

Por Raul Milliet Filho


Perdoem os leitores do blog Deixa Falar, mas Paulo Vinicius Coelho, de fato, não assistiu ao trabalho de João Saldanha como técnico no Botafogo e na seleção brasileira não apenas porque nasceu em 1969, como também não leu nada sobre a trajetória de João. Preguiça pura.


João Saldanha e Pelé em um treino em Bogotá


Aos críticos que o acusavam de utilizar um 4-2-4, clássico e superado, João respondia que os esquemas táticos não podiam se prender a números. “Posso perfeitamente reforçar o meio-campo, jogando em determinados momentos de algumas partidas, no que chamam de 4-3-3, sem abrir mão de dois pontas. Não existe um voltador oficial. Isso é coisa do passado, de quem não conhece a História do Futebol e de suas mudanças táticas, após a segunda lei do impedimento e do aprimoramento da preparação física”.

O senhor PVC tem feito vários comentários afirmando teimosamente que Saldanha era um antiquado adepto do 4-2-4. Não era. Em 1957, dirigindo o time do Botafogo, armou sua equipe no 4-3-3, com Edson recuado e foi além. Na partida decisiva contra o Fluminense, recuou Quarentinha para marcar Telê, jogando num 4-4-2. A partida final foi histórica, o Botafogo goleou o Fluminense por seis a dois, no maior chocolate em decisões da historia do campeonato carioca. Jogando num 4-4-2 com Edson e Quarentinha recuados.


Após a Copa de 1958, o Botafogo contrata Zagallo e certamente não foi para jogar como ponta aberto. A contratação de Zagallo foi uma longa campanha que João e Renato Estelita (então diretores de futebol do Botafogo) fizeram junto ao presidente Paulo Azeredo para liberar os recursos necessários para quitar o que o Flamengo exigia.


Conversando com PVC, tentei mostrar a ele os seus equívocos. Mas ele me disse “Tostão afirmou que o time do Saldanha jogava no 4-2-4”. Cansei de conversar com o Tostão sobre o mesmo assunto. Nunca ouvi tamanha aleivosia da parte do craque mineiro.


Já estou cansado de defender meu querido Tio João Saldanha, irmão de minha mãe Elza, mas quantas vezes for necessário volto ao tema e sento a botina.


Para encerrar este assunto, peço aos amigos leitores um pouco mais de atenção. É sabido que a Argentina não passou pelas eliminatórias e não disputou a Copa de 1970. Mas tinha um timaço. Foram marcados dois amistosos contra a Argentina, o primeiro em Porto Alegre, no Beira-Rio e o segundo no Maracanã. No primeiro jogo o Brasil perdeu de dois a zero. A seleção brasileira esteve irreconhecível. João, em crônica para O Globo foi taxativo:

“Penso que a vantagem de dois gols foi normal numa partida de domínio nítido. Fica secundária a maneira como os gols aconteceram. De qualquer forma, deve ter sido grata aos torcedores brasileiros a atuação de dois estreantes: Ado e Marco Antônio, exatamente em duas posições que há muito vêm preocupando todos nós.


O mais importante é que eles apareceram bem, numa partida desfavorável. Finalizando, acredito que com 4-2-4 (que me desculpem os senhores os senhores Abílio de Almeida, Zezé e Desiderati e demais dirigentes do clube), não dá para ganhar nem do São Cristóvão.”


Este jogo foi disputado em 4 de março de 1970 com Dirceu Lopes ao lado de Pelé, pois Tostão estava se recuperando da sua cirurgia de descolamento de retina. O fato é que neste jogo a Argentina dominou o meio-campo. Atuando com três homens enquanto o Brasil tinha apenas dois.


João Saldanha orienta Gérson e Paulo César


Esse PVC não leu o livro que tive o prazer de lançar: “Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970”. Portanto, desconhece as duas crônicas publicadas no jornal O Globo que achei importante incluir: “O Voltador” e o “Voltador oficial”, nas quais esta questão do esquema tático está clara.


O VOLTADOR

O Globo, 24/04/1970


SURGIU, DEFINITIVAMENTE, NO FUTEBOL BRASILEIRO A POSIÇÃO DE VOLTADOR. Explica-se, é o atacante que leva a instrução rígida de recuar para ajudar a defesa. Embora Rui Barbosa já tenha dito há muitos anos que “uma volta bem feita é um avanço”, fazia restrições quando ao mesmo tempo não se esclarecia qual era o tipo de volta. Quem estudava o grande tribuno sentia sua flexibilidade.


Daí a dificuldade que tenho quando ouço dizer que Pelé e Tostão não podem jogar juntos. Segundo diz o selecionador brasileiro, se estes dois cobras estiverem no mesmo ataque, a defesa não terá auxílio. E ainda mais, que nas eliminatórias eles não “voltavam” porque não precisavam. Genial.


Não voltar porque não é necessário sou capaz de depreender que realmente não é necessário! Lógico, a Colômbia, a Venezuela e o Paraguai só atacavam com dois jogadores. Vez por outra ousavam atacar com três. Ora, diria Rui, “neste caso, mesmo a volta bem feita não seria um avanço”. Claro, se já se conta normalmente com quatro ou cinco plantados na defesa, o “voltador” é desnecessário. O jogo aqui, outro dia, contra o Paraguai, evidenciou isto.


Para que mais um na defesa, além daqueles quatro ou cinco, para marcar somente dois ou três? Ao fazermos isto estaremos dando chance ao adversário que quer jogar defensivo de igualar ações.


Se nos temem, defendam-se. Ótimo. E, precisamente, nossos adversários do grupo de Guadalajara jogam com muita gente na defesa. A Romênia se planta com oito além do goleiro que por sinal faz uma boa cobertura.

A Inglaterra praticamente faz o mesmo, pois seus dois extremas, Peters ou Ball, e mesmo Bel jogam na mesma linha dos homens de “meio-de-campo”, Dois “Paulo César” se assim quiserem. Nós temos em Paulo César o “voltador” oficial. Se ele não voltar outro não poderá fazer o mesmo? Por que Pelé e Tostão não podem ser “voltadores”? Juntos ou separados? Dou 18 anos para a resposta.


VOLTADOR OFICIAL

O Globo, 25/05/1970


IRAPUATO — Ficou positivada a nova posição que o futebol brasileiro inventou: voltador oficial. Uma coisa que o futebol moderno não pode mais admitir. Pelo amor de Deus, vamos parar com essa numerologia, que só atrapalha e deixa muitos entendidos em má situação. 4-3-3, 4-2-4, 4-4-2, isso não existe mais, minha gente. Essa história de dizer que só um ponta pode recuar é burrice da grande. Hoje o futebol exige que volte um e até quatro, desde que o bloqueio requeira. Se a podre está na zaga esquerda, que se recue o ponteiro esquerdo. Mas, se estiver na direita? Continuará se recuando o ponteiro esquerdo? É o que acontece com a seleção brasileira, que inventou o voltador oficial, que é o Paulo César. Não estou contra o Paulo César, não. Estou é contra a rigidez do sistema, que não permite uma mudança, de acordo com o que exige o adversário. Contra o Irapuato, Paulo César voltava pela esquerda. Os mexicanos atacavam pelo setor direito do Brasil. Depois o Paulo César foi voltar pela direita. Os mexicanos passaram a atacar o setor esquerdo da nossa defesa. Tudo muito natural, tal qual um animal acuado que deseja uma saída. O que a seleção precisa é voltar em bloco, deixar menos campo de ação para o adversário e não ter um voltador determinado, o que não se usa mais. Só encerrando, quero avisar que quando se falar em 4-3-3, não se diga que só pode ser feito pela ponta, que isso é muita burrice junta. A festinha foi boa para os habitantes de Irapuato e adjacências. A equipe local é fraca, mas andou complicando quando estava 0x0. Acontece que a nossa defesa continuou desorganizada. Carlos Alberto mal, entendimento baixo entre Brito e Piazza, e Marco Antônio está com uma máscara do tamanho de um bonde. Além disso, creio que está machucado. O meio-de-campo sem Gérson não é o mesmo. Por paradoxal que pareça, o Rivelino foi um espetáculo. Mas o Clodoaldo não esteve bem. O ataque se ressentiu de ajuda. A seleção quando vai à frente leva três jogadores só. Algumas vezes o Rivelino tentou entrar, mas não conseguiu. O tal 4-3-3, que será usado pelo Brasil contra a Inglaterra, China, Coréia, Grêmio, Internacional, Moto Clube, não permite grandes avançadas. O negócio só melhorou quando entrou o Zé Maria, que estraçalhou e foi à frente, sendo mais um atacante contra uma equipe que joga com dez atrás, mais a diretoria, tentando apenas ser defesa, e ainda complica. Resta torcer e apelar para muita sorte no Mundial, porque essa do voltador oficial é de cabo de esquadra.


* O jogo mencionado na crônica foi o amistoso contra a equipe do Irapuato do México. A partida foi realizada no dia 24/05/1970. O Brasil venceu por 3 x 0 com gols de Paulo César, Rivelino e Roberto Miranda.”


Por fim, o que mais espanta é o completo desconhecimento do PVC, sempre metido a lembrar de tudo, que não assistiu nem ao brilhante comentário do Gérson, o Canhota de Ouro e quem mais entendia de esquema tático na seleção de 1970 dentro de campo, em que ele deixa claro que tanto Zagallo quanto João armaram seus times no 4-3-3, ouçam por favor.



Fica claro que o Sr. Paulo Vinicius precisa ler, pelo menos um pouquinho, sobre a história da evolução tática do futebol brasileiro e mundial, e parar de destilar o seu anticomunismo que, no fundo, é o que está por trás das críticas feitas a João.


No artigo “LEIS DO IMPEDIMENTO HISTÓRIA DO FUTEBOL” escrito por João Saldanha em apresentação ao livro “Na boca do túnel”, editora Gol, 1968, inédito em jornal e incluído no livro “Vida que Segue: João Saldanha e as Copas de 1966 e 1970”, editora Nova Fronteira, também passou ao largo do interesse de pesquisa do PVC.


Chamo atenção que este artigo é excelente e merece ser lido por todos.


Livro “Vida que Segue”, organizado por Raul Milliet Filho e editado pela Nova Fronteira


Saldanha afirma: "Médice é o maior assassino da história do Brasil" . PVC concorda?





Raul Milliet Filho é Historiador, criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários: “Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.


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