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O golpe de Estado de Bolsonaro

Por Raul Milliet Filho



Nas redes sociais, alguns jornalistas e intelectuais orgânicos e tradicionais estão em polvorosa com a proximidade da vitória de Lula. Possivelmente no primeiro turno.


Pessoalmente, há no mínimo dois anos na editoria do blog Deixa Falar, estou cansado de tanto falar que a possibilidade de golpe por parte do pseudo-presidente não passa de factóides do bolso-nazi.


Sem chance de golpe. Não há base social para isso. Essa chorumela não passa de choro de perdedor ou de frequentador de motociatas. Intelectuais sérios como Luiz Eduardo Soares caem constantemente nesta armadilha, que tem o reforço maroto de comentaristas, televisões abertas e fechadas. Globo News, CNN, Jovem Pan...


Irritante. Esqueceram ou não leram Gramsci adequadamente. Nesta circunstância é sempre necessário voltar ao filósofo sardo, que vislumbrando a necessidade da guerra de movimento aplicada na Rússia por Lenin, para a guerra de posição, única possível nos países com perfil de sociedade de tipo Ocidental. Com todo respeito, traduzindo e simplificando a prosa, vamos ao próprio Gramsci na íntegra:


“Parece-me que Ilitch ‘Lenin’ compreendeu – observa Gramsci – que era necessária uma mudança da guerra de movimento, aplicada vitoriosamente no Oriente ‘isto é, na Rússia’ em 1917, para a guerra de posição, única possível no Ocidente (...)”. Esse parece-me ser o significado da fórmula da “frente única” e de acordo com Carlos Nelson Coutinho, Gramsci prossegue, colocando de modo concreto a determinação central da diferença entre Oriente e Ocidente: “No Oriente, o Estado era tudo e a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, entre Estado e sociedade civil havia uma relação equilibrada: a um abalo do Estado, imediatamente se percebia uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual estava uma cadeia de fortalezas e casamatas; a proporção varia de Estado para Estado, como é evidente, mas precisamente isso requeria um cuidadoso reconhecimento de caráter nacional.”


Carlos Nelson Coutinho

A teoria ampliada do Estado em Gramsci apoia-se nos aparelhos privados de hegemonia. Com novas determinações, comporta duas esferas principais: a sociedade política, que conforme Carlos Nelson Coutinho apontou, também chama de Estado em sentido estrito, constituída pelos mecanismos onde a classe dominante detém o monopólio legal da repressão. E a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e propagação das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, a organização material da cultura, como revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa, etc.


Gramsci define como sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia escudada na coerção.


E reitero que, no Brasil contemporâneo, qualquer tentativa de golpe precisa do lastro de uma hegemonia pretérita dos aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil.

Adentrando no campo da crônica, Bolsonaro é daqueles covardes que chamam para briga, recuam e voltam e nunca partem para o combate aberto.


Antonio Gramsci

É com Gramsci que se efetua a transição crucial de ideologia como sistema de idéias para ideologia como prática social vivida, habitual – que, então, deve presumivelmente abranger as dimensões inconscientes, inarticuladas da experiência social, além do funcionamento de instituições formais.


Na sociedade moderna não é suficiente ocupar fábricas ou entrar em confronto com o Estado, o que também deve ser observado é toda a área da cultura, definida em seu sentido mais amplo, mais corriqueiro. O poder da classe dominante e qualquer contra-hegemonia devem levar sua campanha política até esse domínio. Talvez o comentário mais efetivo já feito sobre esse tópico seja de Lenin, em um discurso na conferência dos sindicatos de Moscou em 1918:


“Toda dificuldade da Revolução Russa é que foi muito mais fácil a classe operária revolucionária russa começar do que o é para as classes da Europa Ocidental, mas é muito mais difícil para nós continuar. É mais difícil começar uma revolução nos países da Europa Ocidental porque lá o proletariado revolucionário é confrontado pelo pensamento superior que vem com a cultura, enquanto a classe trabalhadora encontra-se em um estado de escravidão cultural.”


Simplificando e botando a bola no chão, qualquer tentativa de golpe no Brasil de hoje é impossível, tendo em vista que os inúmeros aparelhos privados de hegemonia não são superáveis por um mero peteleco do Capitão Cloroquina.


Confunde-se, amiúde, golpe com assaltos de esquina ou massacres em favelas, como o que ocorreu no Jacarezinho, Rio de Janeiro.


Dentro de sua visão rasa e incompleta, Bolsonaro lança como bordão meramente eleitoral desafios inatingíveis. Inculto e desprovido de equipe minimamente sofisticada, tenta apavorar a todos, como se estivéssemos na França de 1789, na Rússia de 1917, na China de 1949 ou em Cuba de 1959. Só que a ignorância do capitão não lhe permite compreender que os inúmeros aparelhos privados de hegemonia da sociedade brasileira já se manifestaram e a maior parte deles formando uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas, como mencionava o intelectual orgânico Antonio Gramsci, que está majoritariamente controlada pelo campo progressista e não seria derrubada por um grito esganiçado de um pseudo-presidente.


Neste caso brasileiro, qualquer golpe necessariamente teria que ser precedido por uma longa guerra de posição, batalhas culturais travadas e vencidas no interior de fortalezas e casamatas denominadas de aparelhos privados de hegemonia.


Simplificando, é fácil concluir que a violência eleitoral no Brasil de hoje promovida pelo bolsonarismo é um arranjo de milícias, que nada mais são do que gangues de rua. Podem até controlar pequenas fatias de territórios, mas por tempo limitado, sem capacidade de persuasão, nem tampouco de combate em campo aberto para suplantar eleitoralmente o campo progressista liderado pela frente comandada pelo PT e por Lula.


Queridos amigos, como Inês Patricio, Walna, Paulão Souza Lima, ninguém vai nos ensinar a saber reagir nessa última semana de campanha e como atuar para convencer indecisos e eleitores ciristas e, talvez, de Simone, a conferir a Lula a vitória no primeiro turno.


Essa vitória é essencial, pois as elites querem evitar isto de qualquer maneira para que a frente liderada por Lula não entre com “carta branca” para ampliar as conquistas populares, o que, por exemplo, o porta-voz de sempre da família Marinho, Merval Pereira, repete inúmeras vezes na Globo News e em suas crônicas no O Globo. É muita cara de pau deste cidadão.


Tenho frequentado várias favelas do Rio de Janeiro, desde a década de 1970, e afirmo sem receio de errar que a maioria da população brasileira, pobre, está com Lula. Venceremos! E podem anotar, a vitória em primeiro turno será sufragada com uma margem de 400 mil a um milhão de votos acima dos 50%.


Presidente Lula

Raul Milliet Filho é Historiador, criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários: “Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.


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