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Foto do escritorRaul Milliet Filho

O prazer de educar, entrevista de Regina Yolanda

“A escola não é um lugar só pra se alfabetizar,

é pra criança se desenvolver amplamente.”

Regina Yolanda


[Esta conversa foi gravada em 28 de setembro 2011 por Conceição Campos, Márcia Kevorkian e Cecília Fonseca, na casa onde Regina Yolanda viveu com seu marido Aristides e filhos por mais de 50 anos, na Praia do Catimbau, número 141, em Paquetá. Foi sua última entrevista na ilha.]


Regina Yolanda


CC - O que significa pra você ser professora, e ser professora primária?


RY - Sempre foi o que eu fiz de melhor qualidade. E isso você sente pelas pessoas que lidam com você.


CC - E aqui na Escola Joaquim Manoel de Macedo em Paquetá, o que era mais fácil e mais difícil no trabalho da escola primária?


RY - A alfabetização.


CC - A alfabetização era o mais fácil ou o mais difícil?


RY - Era o mais lindo, era o mais rico, era o mais diferente, todo ano era diferente (...) Era muito bom você botar as crianças pra escreverem, né? Várias professoras trabalhavam com as crianças fora da sala de aula. Agora, tem o seguinte, Paquetá tinha um segredo, né? É que você botava as crianças com aquelas coisas que eu tinha numa caixa (eu sempre tinha uma porção de coisas) e deixava a criança ali... Quer deixar uma criança alucinada? Dá um ímã pra criança. Vocês podem imaginar como eu tenho paixão por essa casa e como eu tenho paixão por Paquetá. Isso só é possível em Paquetá.


CC - Como é que você fazia pra formar a sua equipe?


RY - Eu achava que todo mundo tinha que fazer alguma coisa diferente. Isso era tão bom... Isso era tão bom, gente! Marilda (Guedes) e Marisa (Borba), vamos fazer uma justiça, porque foi assim o desenvolvimento do trabalho, que ficou em outros trabalhos, inteiramente diferente, mas todos com essa grande característica de serem únicos. Porque é bom essa coisa ser única. Quando ela bate assim num grupo diferente, que quer fazer aquilo como experiência, mas ao mesmo tempo tem que fazer de uma maneira única. Porque nós somos diferentes, não é?


CC - E as crianças também.


RY - As crianças então... nem se fala! Quando começou a ficar muita gente nova (dando aula), eu comecei a pedir a um pessoal que fosse na sexta-feira, que fosse um pouquinho mais tarde, na outra lancha. E o outro pessoal da tarde viesse mais cedo. Não sei como que eu conseguia isso, mas conseguia. Então nós trocávamos as nossas experiências daquela semana. Uma contando pra outra, pra eu não ficar exigindo que fizessem tudo por escrito, tá entendendo? Às vezes você chegava na sala e via já tudo ali demonstrado, como é que foi, como é que não foi... Porque uma coisa é você planejar, outra coisa é você sentir que aquele planejamento tem que ser desenvolvido com as características daquele grupo de crianças. Isso é inteiramente diferente. E aí, quando você escreve o que você fez, não tem nada a ver com o que você planejou. Nada a ver, nada a ver! Mas que é bom você ter as ideias, é. E que depois possa não dar certo, isso também é o natural. E ficava assim um trabalho de página esquerda e página direita muito rico, sabe?


CC - Como era isso, pode explicar melhor?


RY – (risos) A página esquerda era o planejamento que o professor –

alguns – faziam direitinho, escrevendo como queriam fazer. Aí quando chegava na página direita eles diziam como realmente tinham conseguido fazer, que já não tinha nada a ver com o que tinha sido planejado. Isso era tão bom, gente! Isso era a verdadeira aula de vida que o professor tinha. De vida profissional. Era muito rico.


CC - Como vocês faziam pra se aproximar das famílias? Isso era importante pra escola andar?


RY - É, aí eu tenho impressão de que só existe um caminho. A gente chamava os pais e conversava com os pais sem que nós tivéssemos o assunto mais importante a falar. Nós pedíamos que eles dissessem o que é que eles queriam discutir, sabe? Eu nunca tive problema sério com nenhuma criança, com mãe às vezes... Mas aí eu ajeitava, dava um cafezinho, sentava na mesa de diretora – que era uma coisa que eu raramente fazia – uma linda cadeira, que um belo dia levaram pra consertar e nunca mais voltou. Uma marquesa linda...


CC - O que é que um professor pode medir no desenvolvimento de um aluno além da capacidade de ler, escrever, contar? O que mais um professor pode medir na sua turma, na sua criança?


RY - Argumentar, né? E o aluno deve ficar na série em que ele estiver de acordo, mas a gente entendendo que série não é só quem sabe ler e escrever! É quem sabe... (Regina faz um gesto largo abrindo os braços e sorrindo). Porque o que é essa parte da escola primária? É você ter um desenvolvimento total, abrangente, não é só saber ler e escrever... É tudo, gente! É muito mais, é muito mais rico, é o conhecimento de livros, é querer mais livros – ou outras coisas que estão sendo cada vez mais desenvolvidas, né? Essa escola não é a escola só pra alfabetizar, essa escola é pra criança se desenvolver amplamente. E oferecer ao professor não o medo.


MK – Dona Regina, qual foi a hora em que a senhora falou assim: “- Eu vou ser professora, é isso que eu quero fazer da minha vida”? Que horas que a senhora decidiu isso?


RY - Desde pequenina. Eu tinha uma tia-avó que eu acreditava piamente que ela não soubesse ler nem escrever. E eu achava fantástico ensinar pra ela, ela que não sabia nada, não podia continuar assim! - eu pensava. Então eu ensinava a ela.


MK – E ela aprendeu, conseguiu?


RY – (rindo muito) Ela sabia, a sem-vergonha! Mas isso só me foi contado muito mais tarde!


CC – Ela fingia que não sabia só pra você ensinar pra ela?


RY – É.


CC – E você já estava descobrindo sua vocação.


RY – É. Desde pequenina.


CC – Pra você o que é essa profissão de dar aula, de educar?


RY – É dar a chance de as pessoas saberem mais do que o que elas ainda não sabem... E é nunca ver isso como perda de tempo. Porque é sempre isso que muita gente tem na cabeça: que a pessoa perde tempo ensinando (...) Você não pensa assim. Ela não pensa assim. Eu não penso assim. Você pensa assim? É. Mas é pouca gente que não pensa assim.

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Premiada internacionalmente, Regina Yolanda Werneck foi educadora, artista plástica, ilustradora e diretora – por 25 anos – da Escola Municipal Joaquim Manoel de Macedo, em Paquetá, onde ela implementou seu projeto pioneiro de Currículo Pleno. Entre o final dos anos 1960 e começo da década de 1970, enfrentando a opressão da ditadura militar, ela ousou transformar a escola pública de Paquetá em uma escola modelo, atraindo olhares de educadores e artistas do Brasil e do exterior. Por seu trabalho extraordinário, Regina Yolanda é até hoje lembrada de forma emocionada e emocionante por todos que experimentaram essa prática de educação – plena e pública –, praticada com obstinação e coragem por essa grande mulher e pela equipe que ela (trans)formou.


Conceição Campos é jornalista, escritora e contadora de histórias, autora da biografia A letra brasileira de Paulo César Pinheiro (416 p., finalista do Prêmio Jabuti).


Nota do Deixa Falar:

Regina Yolanda foi casada com Aristides Jobim Saldanha parlamentar eleito pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) além de uma figura humana admirável.

Na matéria abaixo segue nossa pequena homenagem ao grande Aristides.



Criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários: “Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.


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