*por Thaissa Rocha Proni
A minha vida sempre foi agraciada com a presença de mulheres admiráveis. Mulheres fortes, mulheres guerreiras. Minha mãe, a maior de todas, a mais forte e a mais vencedora. As amigas chegaram com o tempo. Tímidas, debochadas, exóticas, delicadas, depressivas, efusivas, tristes, alegres, malhadas, esportistas, charmosas, embrutecidas... e, normalmente, uma mistura de tudo isso, com tônicas diversas entre uma e outra. As professoras, as referências musicais, as escritoras.
Gosto de ouvir suas histórias de vida, suas percepções dos acontecimentos. Gosto de observar seus olhares, seus anseios e seus medos. Trocar experiências, vivências, sorrisos e, por vezes, lágrimas e dores. Eu admiro as mulheres.
Somos muitas. Brancas, negras, indígenas, jovens, idosas, casadas, solteiras, viúvas, heterossexuais, bissexuais, transexuais, homossexuais. Pertencemos aos mais variados credos. Estamos por todas as camadas e classes sociais. O universo feminino é heterogêneo e não sujeito a modelos rigidamente construídos, nem nas passarelas, nem na Academia, nem nas religiões. No Brasil, somos a maioria, segundo o IBGE, 51,6% da população[1].
Não tenho outorga para falar em nome dessa diversidade toda, mas, utilizando-me do meu lugar de fala, posso conjecturar. E o que tenho observado, tanto pela pesquisa empírica, quanto pelos estudos, reflexões e mesmo diante das informações e discussões veiculadas pela mídia e pelas redes sociais, é que, inescapavelmente, temos duas bandeiras comuns a perpassar a tão plural causa feminina: a luta contra a violência e a promoção real de igualdade no trabalho.
Segundo levantamento encomendado pelo Fórum de Segurança Pública junto ao DataFolha, mais de 16 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência em 2018. No mesmo estudo, afirma-se que mais de 500 mulheres são agredidas diariamente no País com tapas, chutes e socos. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 126 brasileiras foram vítimas de feminicídio apenas entre janeiro e fevereiro de 2019, números nunca antes manifestados. Muitas dessas mulheres já haviam conseguido medidas protetivas perante o Poder Judiciário.
É trágico que, em pleno século XXI, ainda estejamos diante deste cenário fúnebre e bárbaro. O que as mulheres querem, afinal? Paz! Viver em paz! Viver sem violência. É isso que as mulheres querem.
E a segunda bandeira, que reputo comum a todas nós: a luta pela igualdade de remuneração e oportunidades no trabalho.
Um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que as mulheres ganham menos que os homens em todas as ocupações, mesmo considerando uma queda na desigualdade salarial entre 2012 e 2018. Fato é que as trabalhadoras ganham, em média, 20,5% menos que os homens no País. Como se não bastasse, somos as responsáveis (na maioria esmagadora dos casos) pelo trabalho doméstico, cuidado das crianças, dos idosos e das pessoas com deficiência. As tarefas do lar são incessantes, repetitivas e desgastantes. Ocupam tempo. Demandam energia. Poderiam e deveriam ser mais divididas entre os membros da família, o que, sob meu olhar otimista, vem ocorrendo aos poucos. Daqui 30 ou 40 anos, estaremos em outro cenário, certamente. Um cenário em que por “normal” se entenda: o trabalho doméstico é da família e não exclusivamente da mulher.
Mas voltando ao âmbito profissional, é sempre bom lembrar da persistência do “teto de vidro”, a barreira invisível que impede as mulheres de alcançarem postos altos de comando e chefia, tanto nas empresas como nas instituições públicas, principalmente em lugares de poder tradicionalmente ocupados por homens, como a política e o Poder Judiciário.
O que as mulheres querem, no trabalho? Igualdade de oportunidades, igualdade de remuneração. E, claro, respeito e tratamento digno e eliminação do assédio.
Não é pouca coisa, mas deveria ser o mínimo.
Eu gosto de falar das mulheres. Nós somos misteriosas. Somos capazes de enfrentar essa batalha toda olhando para o futuro com esperança. Lutamos, dia a dia, porque queremos paz, queremos igualdade... nem que seja para nossas netas. Pode ser. Não há noite tão longa que nunca encontre o dia.
[1] PNAD-C 2017, IBGE.
* Thaissa Rocha Proni é Advogada e Pesquisadora do NETSS- Núcleo de Estudos em Trabalho, Saúde e Subjetividade- da Unicamp. Mestre em Direito do Trabalho pela USP e doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Autora do livro “Proteção Constitucional à Maternidade no Brasil: um caso de expansão da garantia legal” pela Editora LTr e de diversos artigos em sua área de atuação.
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