Por Raul Milliet Filho
Esquecer e desvirtuar a trajetória de Garrincha. O mesmo com João Saldanha. Vejam filmes inéditos.
Jornalistas do SporTV são simpáticos e honestos, mas quase sempre ficam em cima do muro e não reconhecem eventuais erros cometidos.
Na retrospectiva sobre a Copa de 1970, além do próprio Zagallo em entrevista antiga, aparece Carlos Alberto Parreira afirmando que João Saldanha só armava seu time jogando no 4-2-4. Mentira. O Botafogo sob sua direção sempre atuou num 4-3-3, jogando a partida final do campeonato de 1957 contra o Fluminense num 4-4-2 com Quarentinha colado em Telê o jogo inteiro.
Aí ficam desmoralizadas as observações desconexas destas pessoas que sempre disseram que João só sabia dirigir times no 4-2-4. Isso chega a ser engraçado e ridículo, pois no ano seguinte, depois da Copa do Mundo de 1958, por gestões de Saldanha e seu amigo Renato Estelita, Zagallo, que pertencia ao Flamengo, é contratado pelo Botafogo. Uma pergunta: para jogar com ponta aberto? Piada de mau gosto ou falta de memória?
Outra mentira deslavada de Parreira. O planejamento e adaptação à altitude, tanto nas eliminatórias (jogo contra a Colômbia em Bogotá), quanto para a Copa do Mundo, foi montado pelo Professor Lamartine Pereira da Costa, um estudo encomendado por Saldanha que veio a ser um dos principais trunfos da seleção na conquista do tricampeonato.
O curioso é que, para minha surpresa, excetuando o Gerson, nenhum jogador tinha conhecimento desta preparação. Isto me surpreendeu, pois, afinal de contas, a seleção brasileira passa a treinar ao meio-dia (horário em que seriam disputados os jogos no México) e já em território mexicano o time sobe para Guanajuato. Bem que Zagallo tentou mudar isto, mas foi impedido pelas broncas de Lamartine e João, que sugeriu a ele, ironicamente, que levasse o time para Acapulco.
Em 2017 e neste mês de abril de 2020, Tostão, que me disse desconhecer esta preparação com sua honestidade e coerência costumeiras, citou tudo isto em belas crônicas depois de ter algumas conversas comigo ao telefone, ouvindo atentamente estes relatos 3 anos antes.
Em janeiro de 1970, Lamartine Pereira da Costa, João Saldanha e Cláudio Coutinho reuniram-se no sopé do Pão de Açúcar, numa churrascaria que ali existia, para alinhavar os detalhes da sequência deste trabalho.
O relacionamento de Saldanha com estes profissionais, que aprovou e incentivou durante todo o tempo de sua permanência no cargo, foi pontilhado por alguns atritos, com exceção de Adolpho Milman – o Russo, seu parceiro e amigo de longa data. A maior parte dos integrantes da comissão não comungava da visão de mundo de Saldanha e, tampouco, de suas concepções sobre o futebol. No caso do corte do atacante do Santos, Toninho Guerreiro, João incompatibilizou-se, definitivamente, com o médico Lídio Toledo.
Pelé e Garrincha
Na seleção brasileira Mané Garrincha teve um desempenho acima do de Pelé. Em 1958 Didi foi eleito o melhor jogador da Copa do Mundo na Suécia e Garrincha e Pelé tiveram um desempenho semelhante. Na Copa de 1962 Garrincha foi escolhido melhor jogador da Copa tendo sido um dos artilheiros do certame. Sem mencionar as jogadas de outra galáxia que Mané proporcionou no Chile. Vejam este gol decisivo contra a Espanha.
Reparem a jogada de Garrincha contra a Espanha na Copa de 1962, driblando vários adversários, colocando a bola na cabeça de Amarildo para fazer Brasil 2 x 1. Uma vitória que classificou o Brasil.
Aos 40 minutos do segundo tempo. O empate classificava a Espanha.
Duas observações sobre o locutor: quem recebe a bola de Gilmar e inicia a jogada é o Nilton Santos, e quem mata a bola no peito, com sua categoria e elegância de sempre é o Príncipe Etíope, o Didi.
Neste pequeno vídeo abaixo, João Saldanha responde a uma pergunta de um garoto de 7 anos de idade sobre o melhor jogador que viu atuar. E como sempre, defendendo o Garrincha. Aqui vai um recado para os rapazes do SporTV. Mané foi massacrado em sua vida e faleceu cedo. Resgatar e relembrar sua genialidade como jogador é obrigação de todos que zelam pela memória do futebol brasileiro.
Estou muito cansado por ver tudo isso se repetir várias vezes. A seguir, publico mais uma vez um longo artigo que tive o prazer de redigir intitulado Estão querendo apagar a memória de João Saldanha. Mas o Deixa Falar não aceita.
Vejam lá.
Raul Milliet Filho é Historiador, criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários: “Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.
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